quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CRÓNICAS DO INFERNO

ONE-HIT WONDER
 
Não conheço tradução feliz para português e daí o uso do anglicismo.
Para quem não saiba, a expressão “one-hit wonder” (ou “maravilhas de um sucesso só”, em versão livre) é o termo usado para denominar uma pessoa, ou grupo, conhecido por apenas um single de sucesso.
Inúmeros os exemplos:

Os “Los del Rio” fizeram com que todas as discotecas do mundo comprassem o seu CD unicamente por causa do sucesso “Marcarena”, que foi dançado por zulus e esquimós, asiáticos e americanos, alemães e angolanos (mas estes dançam tudo incluindo o hino nacional).
 
Encheram-se de dinheiro e, por isso, não se importaram muito com o facto de terem uma produção tão redutora.

Na realidade, optaram por seguir o conselho de Bobby McFerrin.

Não sabem quem é? Pois! É o autor do “Don’t worry be happy”. Outro badalado “one-hit wonder”.

Embora o título encaminhe para a música, a verdade é que o fenómeno acontece em muitas outras áreas.

Na literatura é mais frequente do que se possa pensar.

Recordemos:

Margaret Mitchell escreveu, em 1936, “Gone with the Wind” (“E tudo o vento levou”) que Clark Gable e Vivien Leigh ajudaram a transformar num sucesso eterno. Não escreveu mais nada.

O mesmo aconteceu, incluindo a ajuda de um grande filme, com a obra “Doutor Zhivago” escrita, em 1957, por um Boris Pasternak que, ao que parece, nunca mais pegou numa caneta, com a obra “Moby Dick”, que Herman Melville escreveu em 1851 e com “O Monte dos Vendavais”, que saiu da pena de Emily Bronte em 1847.

Em Portugal, como é habitual, os fenómenos são sempre levados ao extremo e, por isso, não é de estranhar que um dos nossos “one-hit wonders” tenha resultado não só numa árvore das patacas para um dos seus autores como em abono de família para os seus descendentes.

Refiro-me ao fadito “A moda das tranças pretas”, que nos massacra os ouvidos vai para sessenta anos, e tem música de Bernardo Lino Teixeira e letra de Vicente da Câmara que também a canta (digamos assim).

A “estória” tem como base uma cachopa, “linda com seu ar namoradeiro” e a quem “'té lhe chamavam menina das tranças pretas", e que ganhava a vida andando, o dia inteiro, pelo Chiado, “apregoando raminhos de violetas”.

O caso não seria grave se não fosse a habitual inveja portuguesa, e em especial das mulheres lusitanas “d’alta roda” que, calculem, “ficavam tristes a pensar no seu cabelo”.

Claro que, como meninas bem que eram, “quando ela olhava, com vergonha, disfarçavam” mas isso não impediu que, “pouco a pouco todas deixassem crescê-lo” e, mais, para que a imitação fosse total, começassem a usar “tranças enfeitadas com violetas”

O autor/cantor (?) acaba a cançãozita com uma óbvia constatação: que “da violeteira já ninguém hoje tem esperanças”. Porém, logo regressa ao delírio afiançando não só que a menina “deixou saudades” mas também que, hoje, o Chiado está “carregado de mil tranças”.

Uma família atenta deveria avisar o velhote, que teima em cantar isto todos os santos dias há seis décadas, que a violeteira já desapareceu e que até a neta da sofrida senhora tem de pintar o cabelo para não se verem as brancas.

Mas não.

Pelo contrário decidiram seguir-lhe o triste exemplo e gravaram a mesma treta em CDs que, para mal dos nossos pecados, são quase inquebráveis.

Por isso é raro o dia em que não ouvimos, numa qualquer estação de rádio, não só o kota Vicente como toda a família Câmara - filhos, netos, sobrinhos, genros, noras, enteados, padrastos e madrastas – com vozes tão sumidas como desafinadas, a garantir que a menina das tranças pretas continua no Chiado a vender violetas.
 
Como o mais parecido com isto só pode ser algum “carocho” de rabo-de-cavalo a vender droga, não sei em que país é que estes “aristocratas” vivem.

A solução, óbvia, é mudar de estação tão logo o rádio faça ouvir os primeiros acordes desta maldição.

Mesmo que haja o risco de apanhar com um discurso do Cavaco!
 
Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 28 de Janeiro de 2015