A Nação adormeceu cansada e acordou, certamente, com a alma enrugada.
Estremunhada, a Nação percebeu então que vai uma distância entre o desejo e a realidade. Cristiano Ronaldo, que por mérito ganhou o estatuto de Zeus da bola numa era em que o valor do símbolo é gigante, desabafara na madrugada: "Nunca pensei sair daqui campeão do Mundo".
A prova do "todos" está aqui: o empate de domingo à noite entre Portugal e os Estados Unidos (2-2) foi o quinto jogo mais visto de sempre desde que há medição de audiências na televisão portuguesa. O encontro, diz o "Expresso", foi acompanhado, em média, por 3,602 milhões de telespetadores. Quer dizer: durante a emissão do jogo, três em cada quatro estiveram sintonizados na RTP1 (o jogo mais visto de sempre em Portugal foi o Portugal-Holanda das meias-finais do Euro 2004: a partida foi acompanhada, em média, por 3,871 milhões de telespetadores).
Como Ronaldo, de entre "todos" talvez fossem poucos os que, vista a dolorosa fase de qualificação para o Mundial, acreditavam na vitória suprema. Ocorre que não é disso que se trata, caro CR7. Nisto do futebol, trata-se de viver, de ter prazer, mesmo sofrendo, durante noventa e poucos minutos. É isto - e só isto. Aquela coisa de carregar a Nação às costas, de erguer alto o nome de Portugal resgatando a gloriosa História do país é conversa de tolos.
Um dia, alguém ousou perguntar ao escritor argentino Jorge Luís Borges: afinal, para que serve a poesia? Ele respondeu questionando: "Para que serve um amanhecer? Para que servem as carícias? Para que serve o odor do café?". Cada tirada de Borges tinha o peso de uma sentença: serve para ter prazer, serve para ter emoções, serve para viver. É isto - e só isto.
Ocorre que, ontem como antes de ontem, a seleção portuguesa fez lembrar o drama do salmão quando sobe o rio contra a corrente: o peixe vem de longe e está cansado, é bravo na luta, mas ineficaz no resultado. Não é que o bacilo da eficácia, por tantos admirado e por tantos defendido como argumento oposto ao "jogar bem", deva ser aqui metido para perturbar a equação. A verdade é que nem uma coisa, nem outra: a seleção não joga bem, nem é eficaz. Vale o mesmo dizer: não nos dá prazer.
Ainda assim, a Nação lá esteve como estará: à espera que os dias de glória regressem, de preferência pintados com as cores vivas do futebol praticado, neste campeonato, pelas equipas dos continentes americano e africano. Essas sabem para que serve a poesia.
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