À primeira todos erram. À segunda só erra quem quer. E à oitava... erram Passos e Portas. Confesso que não consigo encontrar uma explicação digna desse nome para que, em menos de três anos, o atual Governo tenha apresentado oito propostas legislativas inconstitucionais e três Orçamentos de Estado parcialmente ilegais. Socorro-me de Millôr Fernandes: "Errar é humano, ser apanhado em flagrante é que já é burrice." E então oito vezes...
Com que interesse insistem nos erros que todos antecipam? Com que objetivo apresentam medidas que são sistematicamente chumbadas? Masoquismo, entretenimento da política caseira, ilusão contabilística para Europa ver ou simples incompetência? A resposta é a tal que vale milhões. Neste caso para o buraco das contas públicas.
Pode ainda alegar-se que a constitucionalidade é interpretativa e matéria de opinião - seja. Que os juízes entram demasiado por decisões políticas e económico-financeiras, porque entram. Ou mesmo que ligam aos timings políticos, porque o fazem, como acaba de se ver. A aplicação da lei pode até ser uma enorme chatice, um tremendo obstáculo ou uma simples questão humana, mas é assim. E à oitava vez, não só não o ter percebido como ainda ter teimado na mesma estratégia, obriga a uma qualificação pouco abonatória.
Qualquer um que tivesse lido os argumentos do primeiro chumbo, baseado nos princípios da igualdade e da confiança, saberia como agir. O Governo prefere errar, pressionar e depois reagir. Mas essa reação é sempre a mesma: aumentar impostos.
O que o Governo tem feito é intranquilizar os mercados. Intranquilizar os nossos credores. Intranquilizar os portugueses. A troika até quis lições sobre o que era e o que podia fazer o Constitucional português. Merkel e Lagarde questionaram-se sobre como as decisões constitucionais podiam influenciar o ajustamento nacional. E os trabalhadores, sobretudo os públicos, passaram a ter cortes em janeiro e reposições em junho.
O que Passos e Portas fizeram foi tornar o Tribunal Constitucional a sua maior ameaça. A verdadeira oposição. E com força de lei. Como dizia Sócrates (o grego), "o costume dos tolos quando erram é queixarem-se dos outros, porque os sábios, esses, só se podem queixar de si mesmos".
Como PSD e CDS saíram de fininho
Não, a maior surpresa dos resultados das europeias não foi Marinho e Pinto, ele é apenas a versão nacional de fenómenos semelhantes por toda a Europa. Nem sequer os números pífios do PS, tanto que António Costa estava evidentemente preparado para eles. Verdadeiramente surpreendente foi como o PSD e o CDS saíram de fininho da maior derrota de sempre. Dos 27,7% dos votos obtidos em coligação, aos sociais-democratas caberá pouco mais de 20%, algo a que nem Santana Lopes desceu. E aos democratas-cristãos, metade (ou menos) dos 10% atuais, um novo regresso ao táxi utilitário. Mas não se ouve entre eles um pio sobre a evaporação desses dois milhões de votos. Em circunstâncias políticas normais, PSD e CDS é que estariam neste momento em convulsões internas. Com disputas pela liderança. Mas a grave situação do País não está para aventuras. E foi isso que estas eleições também mostraram: PSD e CDS vão navegar à bolina e guardar-se para o pós-legislativas. Até lá, tentarão limitar-se a assobiar para o ar e ficar a ver os socialistas - e o País - a juntar os cacos. Porque se no PS todos sabem que quem chegar líder às legislativas do próximo ano será naturalmente primeiro-ministro, no PSD (e também no CDS, em versão minimalista) é exatamente o contrário: ninguém tem dúvidas de que os atuais líderes vão perder e desaparecer. Daí este atual ruidoso e elucidativo silêncio.
Populismo e euroceticismo à nossa maneira
O populismo e o euroceticismo assustaram a Europa. Foi assim que se leu os resultados das europeias olhando lá para fora, do UKIP em Inglaterra, passando pelo Syrisa na Grécia ou o 5 Estrelas de Beppe Grillo em Itália (a extrema-direita, essa, é outra ameaça). Mas, observando o que se passa cá dentro, os números de Marinho e Pinto e do PCP mereceram complacência e até elogios. O que é estranho. Afinal, foram as posições populistas do ex-bastonário dos Advogados - algumas consideradas homofóbicas, sublinhe-se - que o colocaram agora em Bruxelas e lhe deram legítimas ambições para o futuro. E foram as posições claras dos comunistas sobre a Europa, os únicos em Portugal a defender a saída do euro e o incumprimento do Tratado Orçamental, que devolveram ao PC o regresso à posição de terceira força política do País. Os populismos, sejam quais foram, podem sempre degenerar em algo potencialmente perigoso. E a coerência comunista, que lhe vale a manutenção da base de apoio de 400 mil votantes, também não devia ser levada com tamanha ingenuidade. As posições do PC não são preocupantes, mas são relevantes. Falhar compromissos com a Europa seria uma tremenda irresponsabilidade. Sair do euro, com a consequente desvalorização da moeda nacional, seria o fim da luta por salários mais equilibrados e competitivos.
Filomena Martins, aqui