sexta-feira, 16 de maio de 2014

SUGESTÃO DE LEITURA - PORQUE O FIM DE SEMANA ESTÁ AÍ

Especialista na arte de surpreender o leitor, de afastá-lo do conforto da zona de segurança para que possa contemplar com mais nitidez a matéria de que é feito, Manuel da Silva Ramos (MSR) espera pela última página de Perfumes eróticos em tempo de vacas magras para adverti-lo sobre o risco do livro que acaba de ler... 

Apenas um exemplo mais da peculiar estratégia narrativa de um autor cuja obra, embora remonte já a 1968, permanece largamente desconhecida junto de demasiados leitores.

“Fazer rir os céticos, pôr de bom humor os bem-vividos”, explicita MSR na mesma nota final em que também defende que, ao contrário do que poderemos ser levados a pensar, “a literatura erótica tem como primeira missão provocar o riso”.

Se a “missão (sor)riso” a que o autor se propõe nem sempre é bem sucedida, apesar de não faltarem momentos recheados de humor, há um capítulo em particular em que acerta sempre no alvo. A zombetear o poder, a expor as fragilidades lusitanas, Silva Ramos revela-se mestre. Capacidade que aprimorou nos longos anos em que viveu afastado do país. 

Enquanto a maioria dos colegas de ofício insiste em deitar os portugueses  no divã do psicanalista para traçar à força um perfil psicológico, MSR move-se por outros propósitos. Não coloca os portugueses a olhar para o próprio umbigo, mas, sim, para as partes pudibundas. Ciente de que, deste modo, obtém um retrato mais preciso do que os dos pretensos tratados científicos. 

Até porque, como escreve em Bem-vindo à vida, “neste país, os negócios são como o sexo. Nada se sabe de concreto. É tudo segredo, especulação e inveja. Às vezes, também admiração maldosa. E os lesados são os últimos a saber”.

Ambientadas no Portugal de hoje, da troika e do eufemístico ajustamento, os 40 contos de Perfumes eróticos em tempo de vacas magras conseguem libertar-se do espetro da austeridade de que os portugueses não conseguem ver-se livres, comprovando que a vida mantém-se imune aos esforços dos que insistem em legislar até os prazeres íntimos.

Sérgio Almeida, aqui