sábado, 3 de maio de 2014

CRÓNICAS DO INFERNO

JANELA PARA O TEJO

Haverá algo mais estúpido do que o excesso de zelo?
Haverá algo mais inimigo do progresso do que a burocracia?
Todos os dias ouvimos histórias de burocratas que nos levam a acreditar que muitos dos nossos legisladores são acéfalos.
Há dias o líder do Partido Socialista garantia, na televisão, que um industrial bem-sucedido do norte do país, que pretendia ampliar a sua fábrica, fora informado que teria de conseguir o projecto aprovado por quinze organismos diferentes.
- “Quinze!!!” - gritava, possesso, o senhor Seguro embora não estivesse bem seguro de que tal se não deveria a leis aprovadas por governos do seu partido.
Claro que o português arranja sempre uma solução para contornar situações que possam dar trabalho ou obriguem a grande esforço.
O dono da fábrica acima, por exemplo, resolveu deixar tudo como estava. Provavelmente estará, por esta hora, a tentar saber, em Espanha, do que necessitará para abrir, naquele país, a fábrica que pretende.
Este NÃO É o português normal.
O português normal combate os excessos com “cunhas”, “chico-espertices”, “subornos”!
Um exemplo:
Numa reunião promovida pela Ordem dos Arquitectos, Secção Regional Sul, em que, segundo a “Má Despesa Pública”, participaram vários oradores ligados às empresas privadas e à administração pública, a empresa “Parque Escolar” foi a mais citada.
Segundo os oradores o valor dos ajustes directos (abaixo a burocracia) atingia os quarenta milhões de euros.
Como - perguntarão os menos atentos – sabendo-se que estes só podiam ser aprovados se não ultrapassassem os 25.000 euros?
Ora essa! Bastará conhecer a Lei.
Uma única empresa conseguiu setenta ajustes directos. Vinte e cinco no valor exacto de 25.000 euros. Depois, para não dar muito nas vistas, os outros quarenta e cinco tinham o valor de 24.999 euros!
Alguns defendiam que era a maneira de “conciliar os interesses de quem paga com os de quem executa” e que esta seria a única maneira de “fazer face à lentidão dos procedimentos”.
Pois. Talvez fosse.
Deu resultado, embora não o previsto pelos legisladores (se é que eles têm a capacidade de prever).
Mas a história de que mais gosto, como um combate inteligente contra os burocratas, é, sem dúvida, a da casa sem vista para o Tejo.
Um cidadão comprou um andar magnífico numa colina de Lisboa.
Casa arejada, moderna, lindíssima. Com uma vista espantosa para grande parte da cidade.
Todavia não conseguia ver o Tejo. A casa não tinha qualquer janela para o lado do rio.
Contactou um arquitecto pedindo-lhe para fazer um projecto, a apresentar à Câmara Municipal, solicitando autorização para abrir uma janela naquela parede.
- “Mas, nem pensar!” – garantiu o arquitecto – “O projecto nem sequer será analisado porque essas obras estão todas interditas nesta zona de Lisboa.”
- “Tem a certeza?”, questionou o interessado.
- “Absoluta!” – repetiu o arquitecto.
A conversa acabou por ali e o arquitecto, passados uns meses, ficou estupefacto quando, ao passar pela casa, viu uma magnífica janela praticamente à dimensão de toda a sala.
Procurou o dono da casa e perguntou-lhe porque não tinha respeitado a sua opinião evitando, assim, problemas que, “com toda a certeza”, iria ter.
Ficou para morrer quando escutou a resposta.
- “Mas eu segui o seu conselho, que agradeço, senhor arquitecto. Abri a janela, tal como queria, e depois apresentei um projecto à Câmara Municipal dizendo que a queria tapar. Vieram aqui os técnicos, analisaram e responderam por escrito impedindo-me de o fazer porque a lei não permite obras. Olhe… tenho que continuar com ela!”


Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 30 de Abril de 2014