quarta-feira, 9 de abril de 2014

SENTIDO MÍNIMO DE HUMOR

Não são raras as vezes em que, perante situações demasiado graves, acabo a pensar que o sentido de humor ainda há-de ser a salvação do Mundo

No fundo, a ideia de que perante o alerta vermelho do fim das coisas, há-de haver alguém que relativize, alguém que dê uns passos ao lado numa qualquer sala oval, sorrindo, procurando consensos. Não porque deteste pessoas sisudas. Algumas delas (poucas, admito) emanam um respeito que se impõe e vem de dentro, porventura por razões agravadas ou de força maior. 

À excepção dessas (poucas, readmito), não gosto de pessoas que se levam demasiado a sério e que tomam a vida como um fardo que tratam de espalhar pelo próximo, como se de uma cruzada pela infelicidade se tratasse. Não quer dizer que não lhes ache piada.

A troika abandona Portugal a 17 de Maio e, infelizmente, não leva com ela todos os nossos males. Nem aqueles que nos causou e agravou. Mas se a sua presença era a desculpa para não aumentar o salário mínimo nacional (SMN), acabemos com a autopunição de Portugal aos portugueses. Admitindo a revisão do SMN em sede de concertação, Passos Coelho não se esquece que faltam, hoje, 48 dias para as eleições europeias. 

Mas, sobretudo, dá indícios de que não resiste a todos os sinais de espanto perante as assimetrias com os nossos intervencionados-parceiros-de-pobreza: o nosso SMN é inferior em 21% ao grego...

Actualmente fixado nos 485euro, sem alteração desde 2011 (ano em que a revisão para 500euro, acordada na concertação social em 2006, foi suspensa "sine die"), discute-se quanto. Para a UGT, mais 15 euros e não se fala mais nisso. Para a CGTP, mais 30 euros e nem menos. Para o PSD, uma esmola aos pobres, em anúncio catalisador no Congresso de Trabalhadores sociais-democratas. Para o CDS-PP, o acordo tácito. 

Para o PS, a reivindicação dos louros. Para o PCP e BE, a certeza deles. Mas já em 2011, se o SMN tivesse aumentado todos os anos de acordo com os valores da inflação, sem perdas nem ganhos de poder de compra, estaria num patamar superior a 540euro. E se tivesse em conta os ganhos médios de produtividade (1,5 %) seria superior a 880euro. Há esta diferença clarificadora que separa o irrealismo do irreal: se é irrealista aumentar substancialmente o SMN face ao contexto, é irreal o contexto insustentável em que algumas pessoas (sobre)vivem. Para alguns, uns simples trocos ou um jantar fora de casa. Para quem vai comer fora cá dentro, é mais difícil direccionar a atenção a quem e ao que se come em casa de quem não sai.

Ahistória da Homem é marcada pela fome crónica e epidémica, o cérebro humano foi-se programando para viver na miséria. Agora, saídos da Revolução Neolítica, com 10 mil anos de agricultura nas costas, somos capazes de armazenar provisões e viver na abundância. Escapámos do parasitismo mas acabámos por criar uma subespécie parasita de nós mesmos. E então operamos políticas redistributivas para reduzir a pobreza ou, tão-só, para manter a estabilidade e o crescimento económico, sabendo que canalizamos a circulação do dinheiro para a parte da população com maior probabilidade de o gastar. Marxistas, keynesianos ou liberais, todos interpretamos a pobreza que criámos, poucas vezes somos capazes de interpretar a equidade.

E assim, palpita-me. À semelhança do que acontece na frequência cardíaca, fazemos de conta que vivemos acordados a bater a 40 por minuto, adormecidos. De tempos a tempos, damos corda dos 60 aos 100 para continuar a fazer da estória um novelo. Em esforço, fazemos contas à nossa idade e encontramos a frequência máxima, a nossa zona limite de esforço. E continuamos a ignorar que o coração responde não só perante o exercício e a inactividade, mas também a estímulos como a dor e a raiva. 

Ou até perante o espanto, lá está: em 2011, o PSD previa receber 190 000euro em donativos mas quedou-se pelos 160euro, levantando "suspeitas" entretanto já clarificadas no Parecer da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Descansado, volto à minha frequência mínima. E assim vamos, sem qualquer método para controlar o nosso batimento. Ou então, será mesmo o sentido de humor que vai salvar o Mundo.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Retirada daqui