terça-feira, 1 de abril de 2014

OS CORTES PARA LEVAR AO BEIJA-MÃO

O Governo senta-se hoje à mesa para tentar resolver um quebra-cabeças. Cercados pelas pressões internas e pelas exigências dos acordos internacionais, os ministros vão queimar as pestanas numa equação impossível: apresentar a Bruxelas um DEO (Documento de Execução Orçamental) no qual um défice de 2,5% do PIB - contra os 4% previstos para este ano - se atinja pela via dos menores índices de aprofundamento de austeridade.

O exercício é quase do domínio da prestidigitação!, mesmo dando-se de barato, para o controlo de danos em vésperas de eleições europeias, uma espécie de jogo de cabra-cega entre polícias maus (Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque) e polícias bons (capitaneados por Paulo Portas).


Pelo emaranhado de dificuldades se percebem, até, alguns balões de ensaio já lançados. E um deles, um apenas, é a desastrada ideia de transformação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade em cortes permanentes nos salários de funcionários públicos e nas pensões de reforma. Perante o coro de protestos entretanto gerado, outra via aponta para maior taxação do chamado "peixe graúdo" - rendas na energia, mais contributos de empresas de telecomunicações e de distribuição, menos garantias e juros para as PPP e afins.

Quando se joga com a hipótese de milhões de portugueses deixarem de poder planificar as suas vidas (os pensionistas na primeira linha de fogo), a tentação de calibrar o orçamento pelo encurtar do lucro das grandes companhias aparenta uma lógica irrecusável: para quem decide, provoca menores danos nas urnas eleitorais. E as legislativas - mais do que as europeias... - já não estão muito longe.

Um raciocínio assim, linear, não devia simplificar a formatação do DEO a levar ao beija-mão europeu? A resposta seria afirmativa, não fosse o caso de ter de ser levado em conta um elemento crucial: o poder político fica mais perto da queda sempre e quando avilta interesses económicos e financeiros instalados. O voto do comum dos mortais só aparece depois.

O DEO é, pois, um verdadeiro imbróglio, dando-se a particularidade de dever ser fechado sob o manto de incógnitas do sentido das decisões do Tribunal Constitucional a propósito de cinco áreas para as quais foi pedida a sua fiscalização do Orçamento do Estado deste ano e que têm "atrelado" a um chumbo implicações da ordem dos mil milhões de euros. Uma razão bastante para o Governo até poder enveredar pela fixação de metas sem explicações sobre a forma como a elas chegará. E esse bem pode ser o truque para tentar evitar danos maiores à coligação PSD-CDS nas eleições europeias. É mesmo o cenário mais provável.

A ilusão gerará o habitual coro de protestos de toda a Oposição - sempre contra tudo o que mexa -, mas não evitará o óbvio: o DEO a plasmar previsões para 2015 está obrigado a apresentar reduções de défice. E por mais demagogia que se agite, elas ocorrerão. Todos os partidos do chamado arco da governação - PSD, CDS e PS - assinaram o Tratado Orçamental a correr e vão ter de o cumprir, mais cedo do que tarde.

Desconfiando-se da existência de coragem política para afrontamentos maiores, o atual "complicómetro" esfumar-se-á provavelmente só depois das eleições europeias. A simplificação passará por pôr os do costume a pagar.

Retirada daqui