quarta-feira, 2 de abril de 2014

MISÉRIAS

O sistema instalado de apoio aos pobres funciona como aquelas máquinas que mantêm certos doentes em coma durante anos, numa forma de vida vegetativa. Não morrem, mas também não vivem.

Esta semana foi publicado um estudo sobre a pobreza em Portugal. Conclusões: o número de pobres cresceu; o fosso entre ricos e pobres está maior. Não admira. Alguém falou em empobrecer o país e, pelo menos nesse domínio, tem cumprido.

A pobreza é um drama pessoal, uma vida que não se concretiza. Mas para um país o drama não é menor. Um número elevado de pobres significa que a sociedade não tem os meios essenciais para se desenvolver. Meios humanos, entenda-se. No caso português esta realidade ainda é mais grave. A nossa dimensão populacional equivale a uma grande cidade do mundo. Existem cerca de 30 cidades com mais de 10 milhões de habitantes e muitas que andam lá perto. Somos portanto poucos e o futuro não é animador. 

Quem quer ter filhos nas condições atuais? Se, dos parcos 10 milhões, metade vive na miséria então temos um problema sério. Muito mais sério do que o défice, a dívida e outras matérias financeiras que dominam hoje a governação, o debate partidário, a informação e naturalmente a preocupação da generalidade das pessoas.

A frieza estatística diz-nos que os pobres produzem pouco e consomem ainda menos. Do ponto de vista económico só existem para a caridade e para os apoios, sempre mínimos, do Estado. Uns e outros mais não fazem do que garantir que as pessoas continuam vivas, mesmo que sem nenhuma perspetiva, atividade ou existência digna. O sistema instalado de apoio aos pobres funciona como aquelas máquinas que mantêm certos doentes em coma durante anos, numa forma de vida vegetativa. Não morrem, mas também não vivem.

A pobreza tem muitas consequências sociais. Gera burocracia, consome recursos, entope hospitais e, já agora, também prisões. Marx dizia que os pobres nem sequer têm capacidade de organizar a sua revolta. Daí o crime, estúpido e gratuito, a violência entre os próprios, o bater nas mulheres e filhos ou a facada que surge por uma banal discussão de futebol.

Mas a consequência maior, para além da pessoal, claro está, reside no verdadeiro desperdício de matéria humana e inteligência perdida que podia e devia beneficiar a sociedade. Quantos génios habitam os casebres lúgubres? Quantos talentos dormem nas ruas?

Alguns relativizam. Encaram a pobreza como consequência da seleção natural, que favorece os mais capazes. Uma espécie de darwinismo social. No entanto, para além de outras questões, há, pelo menos, que considerar as condições ambientais, já que quem nasce pobre tem muito mais dificuldade em realizar alguma coisa na vida. Aqueles que o consegue merecem todo o nosso apreço, mas são uma minoria.

Enfim, uma pessoa pode virar a cara à miséria em que vivem muitos dos seus compatriotas, mas a sociedade não o pode fazer, sob pena de caminhar para o abismo.

Muito está dito e repetido sobre o que precisamos fazer coletivamente. Mais criatividade e ambição. Criar empresas inovadoras e acelerar a inovação das existentes. Sermos mais ambiciosos no plano local, mas também no global. Encarar as novas tecnologias como novas oportunidades. Atualizar o ensino, tornando-o mais aberto e experimental. Combinar conhecimentos e capacidades. Tudo bem, mas onde estão as pessoas para tais empreendimentos? Quando cerca de 55% dos jovens nem consegue sair de casa dos pais, por falta de rendimentos, onde está a massa crítica fundamental para que alguma coisa funcione?

A isto acresce a saída, para outros países, de milhares de jovens habilitados e também de outros menos jovens. Com este êxodo ainda sobra menos gente, reduzindo a interação e a dinâmica social. Portugal vai ficando sem ovos para fazer omeletas.

Infelizmente esta perspetiva da pobreza, ou seja, desperdício de recursos humanos, não parece estar na ordem do dia. À direita e no governo só se veem números e se cumprem ordens. A esquerda, por sua vez, continua a encarar o problema da pobreza quase exclusivamente na perspetiva do aumento dos apoios sociais. É preciso encontrar uma terceira via que tire as pessoas da miséria, sem as manter dependentes do Estado ou da caridade. Um emprego, talvez?

Leonel Moura, aqui