quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

SORTE E SABER

Os números da economia surpreenderam pela positiva: as exportações ficaram próximas da meta estabelecida, o emprego e o PIB cresceram nos últimos trimestres, os juros baixaram por essa Europa fora

O Governo tem sido cauteloso no aproveitamento destes resultados e faz bem: ao contrário do que alguns propagandeiam, não há uma relação de causa e efeito entre as políticas seguidas e o que foi conseguido, ou melhor, poderá haver, mas nem sempre pelas razões mais óbvias. 

As empresas que puderam voltaram-se para o mercado externo ao pressentirem que, internamente, a procura iria decrescer. Umas fizeram pela vida. Outras fizeram disso modo de vida. Há males que vêm por bem.

As famílias fizeram a mesma leitura, agindo em coerência: antecipando uma quebra do rendimento, reduziram o que puderam, e não puderam, nas despesas e, quando puderam, foram ao ponto de aumentar as poupanças. Até ao dia em que se convenceram que o Tribunal Constitucional não permitiria mais cortes, altura em que aliviaram um pouco os cordões à bolsa. A recuperação do PIB passa por aqui, tanto, ou mais, quanto passa pela evolução das exportações. O simples aumento das exportações pouco quer dizer. 

É verdade que, para quem tem problemas de endividamento externo, é sempre bom que as receitas superem as despesas. As exportações crescerem mais do que as importações ajuda. Mas, o mesmo aumento de exportações pode ter impacto bem diferente no crescimento económico, consoante as actividades que o originaram. 

Quase metade da subida das exportações de bens resulta da venda de combustíveis cuja incorporação de elementos nacionais é relativamente limitada: sendo mais do dobro das vendas de calçado ao exterior, o seu contributo líquido para o crescimento é bem mais pequeno. A Galp dá uma ajuda mas, para crescermos mesmo, temos de dar "mais corda aos sapatos". No momento de definir políticas e prioridades, não se pode ignorar que há sectores que ajudam mais do que outros e que, com mais ou menos reindustrialização, o desempenho do turismo e serviços é crítico. Uma coisa não impede a outra.

Para além de políticas adequadas, é preciso ter sorte. Em 2013, beneficiámos da evolução da envolvente externa. A economia desanuviou-se, a política complicou-se. Houve crescimento (ou menor retracção) nos nossos mercados tradicionais, impulsionando as exportações, reforçadas pela capacidade de desbravar novos mercados geográficos e, em menor grau, de produtos. No turismo, fomos favorecidos pela manutenção da instabilidade no Norte de África e Médio Oriente a que se somou a Turquia. Soubemos agarrar a oportunidade. O desafio é, agora, conseguir fidelizar a procura gerada.

Na economia real, nada é certo nem seguro. Por razões de envolvência, concorrência e competência. Muito à custa dos Estados Unidos (alguém imagina o que teria acontecido se os americanos tivessem adoptado a política europeia?), a economia mundial foi mantendo um ritmo de crescimento apreciável. Porém, se a envolvente se desanuviou na Europa e consolidou nos Estados Unidos, em 2014 o panorama está bastante mais negro nos chamados países emergentes, podendo afectar as empresas mais expostas a esses mercados. É certo e sabido que, aí, haverá concorrência acrescida, tornando mais difícil alcançar a meta estabelecida para as exportações, condicionando quantidades, preços e margens, desafiando as competências de gestão e a política.

A selecção que a crise operou no nosso tecido empresarial fez com que, em geral, os sobreviventes sejam os mais capazes. Há outros que cometeram erros que põem em causa a sua continuidade mesmo quando, económica e socialmente, esta se justificava. O seu desaparecimento significa uma perda, desnecessária, de capital social. 

É importante que as políticas consigam fortalecer os primeiros, recuperar os segundos e dar espaço à inovação, estabelecendo as prioridades devidas. A partir de agora, Pires de Lima deve ser o protagonista primeiro. O contexto institucional é, apesar de tudo, mais favorável aos negócios. 

Ele tem a vantagem de conhecer o "lado de lá". Bom senso tem. 

Oxalá tenha sorte!

Retirada daqui