Há uma exigência ética essencial no tempo que estamos a viver: ouvir o clamor
dos pobres e devolver-lhe o que lhes cabe.
A advertência feita por Francisco, o
Papa, na sua exortação apostólica "Evangelii Gaudium" (EG) coloca um critério
claro na condução do nosso quotidiano: "Assumir a opção pelos últimos, por
aqueles que a sociedade descarta e deita fora" (EG 195) como prioridade.
Estar com os últimos, fazer deles a razão de ser das nossas escolhas, impõe
coisas difíceis a que a bolsa de valores deste tempo não dá cotações altas.
Impõe, desde logo, pôr em causa o endeusamento da propriedade como limite das
possibilidades das políticas.
Ao contrário do pensamento que tem norteado o
desmantelamento do contrato social na Europa, para o qual o que é da
titularidade dos pobres é frágil por natureza e o que é da titularidade dos
ricos é sagrado por definição, Francisco coloca a propriedade privada como
realidade subordinada ao destino universal dos bens: "A posse privada dos bens
justifica-se para cuidar deles e os fortalecer, de modo a servirem melhor o bem
comum" (EG, 189).
Estar com os últimos como princípio de vida impõe, em segundo
lugar, fazer do reconhecimento dos seus direitos o nosso compromisso maior: "Não
se trata apenas de garantir a comida ou um decoroso sustento para todos, mas
(...) educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho, porque no
trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e
engrandece a dignidade da sua vida" (EG 192).
Estar com os últimos e tornar a
sua dignidade em referência primeira impõe, enfim, desfetichizar o mercado e
devolvê-lo à sua função instrumental: "Os planos de assistência, que acorrem a
determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas
provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos
pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação
financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se
resolverão os problemas do mundo e, na verdade, problema algum. A desigualdade é
a raiz dos males sociais" (EG, 202). por isso mesmo, "a economia não pode mais
recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a
rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos"
(EG 204).
Neste tempo em que a pobreza e a saída dela são estigmatizadas como
responsabilidades pessoais, estar com os últimos como projeto de vida faz da
política o seu campo de materialização privilegiado. Assim entendida, a política
é o avesso de uma carreira. A política como serviço aos últimos não se aprende
nas universidades de verão das jotas nem dá direito a promoção social. Pelo
contrário, a política como serviço à opção pelos últimos só dá dores de cabeça e
estraga agendas sociais perfumadas e prestigiantes.
A política que se faz para afirmar a dignidade dos últimos tem um programa e
é dele que cuida. Tudo o mais é instrumental relativamente a esta opção
fundamental: os partidos e as alianças, as ruturas e as convergências, os
governos e a rua, as palavras e os gestos, a lei e os movimentos. O único que
lhe está interditado é esquecer-se de que é sempre o clamor dos pobres que lhe
dá razão de ser.
José Manuel Pureza, aqui