O velho sonho da direita - um governo, uma maioria, um presidente - é
realidade. Mas, como o demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo,
este inédito alinhamento não tem selo de garantia.
Ele carece de um aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a
salvo das tensões e contradições que resultam da natureza atentatória de
direitos e de expectativas essenciais que é a das suas políticas.
Maioria e Governo de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência
social para se poder negar a evidência: são politicamente frágeis.
O primeiro é o uso da troika como argumento de autoridade que se sobrepõe ao
povo soberano e à constituição democrática, como dispositivo de legitimação sem
recurso dos extremismo das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às
pessoas dia após dia.
O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da
República que se afasta da lógica de pesos e contrapesos que a Constituição
sabiamente consagra e se apresenta como um seguro de vida - e, mais do que isso,
como um suplemento vitamínico - de uma governação crescentemente agressiva.
Estamos no auge do choque entre dois constitucionalismos em Portugal. De um
lado, o constitucionalismo do Estado de direito recebido na Lei Fundamental da
República. Do outro, o constitucionalismo do estado de exceção que arvora o
memorando de entendimento com a troika em Lei Fundamental de facto para, a
partir daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado na
Constituição da República.
Ora, mais do que qualquer outro órgão de soberania, o
Presidente da República está obrigado a fazer escolhas claras entre esses dois
constitucionalismos. É nessas escolhas que o Presidente evidencia - ou não... -
a sua lealdade ao povo e à democracia. Ora, a verdade é que Cavaco Silva tem
feito essas escolhas claras.
Na tensão entre o povo que o elegeu e a troika que se lhe contrapõe, Cavaco
Silva nunca se furtou a assumir-se como garante de aplicação do memorando com a
troika e das políticas nele inspiradas.
Quando a legalidade constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a
excecionalidade imposta do exterior entraram em choque, Cavaco Silva expressou
sempre com clareza a sua prioridade: impedir que a Constituição incomode os
mentores do estado de exceção.
De tal modo essa escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de
defesa do Tribunal Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre este
exercidas por entidades internacionais como a Comissão Europeia. Qualquer
presidente com pergaminhos de patriotismo - fosse de direita ou de esquerda - o
teria, evidentemente, feito. Cavaco Silva escolheu não o fazer. Escolheu um
lado.
Cavaco Silva assume-se como o melhor Presidente imaginável para um
protetorado, ou seja, um amigo leal dos tutores, mesmo quando - ou sobretudo
quando - seja necessário impor a vontade deles contra os direitos do povo. A
democracia portuguesa fica claramente empobrecida com os mandatos presidenciais
de Cavaco Silva.
O ciclo político que está a aproximar-se exige um polo presidencial liderado
por alguém nos antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos direitos, um combatente
inequívoco pela Constituição, um patriota contra a humilhação do País, alguém
que a grande maioria das pessoas - os mais pobres - sintam como seu defensor. Um
defensor do povo contra quem lhe faz mal.
José Manuel Pureza, aqui