Não sei se ainda é assim, mas há uns anos os fiscais de malas nos voos da
companhia aérea israelita El Al não só vasculhavam tudo como no fim eram
obrigados a embarcar com os restantes passageiros.
Uma situação extrema, o
terrorismo, recebia assim uma resposta extrema: os funcionários punham a própria
pele em jogo quando abriam uma mala, quando estavam ensonados, quando se
deixavam vencer pela complacência.
Os nossos bagageiros não só deixaram passar tudo
até aqui, tudo o que a troika quis e Passos Coelho um dia sonhou, como se
encarregaram eles próprios de dinamitar todo o processo político e a
estabilidade mínima do país.
O primeiro custo fez-se sentir na Bolsa de Valores,
que perdeu ontem 2,2 mil milhões de euros - a banca nacional, já em adiantada
fase de raquitismo, liderou as perdas -, mas fez pior. Os juros da dívida
pública subiram para lá do suportável.
A aritmética é simples: estamos a falar de uma perda potencial superior a 3%
do PIB. Este dinheiro pode até nem ser pago imediatamente, a fatura será diluída
no tempo, mas é uma fatura que já vem a caminho e que será repartida pelos
contribuintes, em forma de impostos, e pelas empresas, em forma de lucros e
negócios que não se farão agora ou talvez deixem mesmo de se fazer. Pense lá:
emprestava dinheiro a uns tipos assim?
Emprestava dinheiro a um
primeiro-ministro incapaz de garantir a estabilidade mínima da coligação que
sustenta o Governo? Tinha confiança num Presidente da República que só usa a
Constituição para se desresponsabilizar? Nos negócios chama-se prémio ao preço
que se atribui ao contexto. Portugal tem literalmente a cabeça a prémio e tudo o
que possa ser feito daqui para a frente - privatizações, negociações do
memorando, alongamento dos pagamentos da dívida - irá contabilizar este dano
irreversível.
Na rua, o Governo está perdido. Não tem salvação possível. Só lhe falta uma
sequência de banhos de multidão e protestos para ir definitivamente ao tapete
sem qualquer réstia de decoro. Os investidores privados de dívida pública (os
poucos que ainda sobravam) venderam ontem baldes de obrigações portuguesas ao
preço do tremoço e vão demorar muito tempo a refazer-se do trauma: perderam
milhões e não vão esquecer-se disso. Se o País estabilizasse, talvez pudessem
começar a comprar títulos a dois anos (com o tal prémio - juro - incorporado),
mas esse caminho está longe de recomeçar. Para já, tremoços.
Sobra a troika, este triunvirato delirante, corresponsável pela falência
acelerada do País. Há pelo menos duas partes dela que ainda estão dispostas a
fazer de conta de que isto ainda vai lá. Comissão e BCE são os únicos que
seguram o País e que até ver lhe emprestam dinheiro. Estamos literalmente nas
mãos de terceiros como nunca estivemos.
Daqui para a frente, a soberania é só um
faz-de-conta, com este ou outro Governo.
Isso devemos a Passos e a Portas.
André Macedo, aqui