Crica, regionalismo aplicado aos bivalves da ria de Aveiro, chouriço ele mesmo, enchido de porcinas carnes, mato nas bordas, daí se entendendo a espessa vegetação da orla ribeirinha.
Tudo limpinho como os painéis que decoram os moliceiros, dignos de figurar em capas da saudosa "Gaiola aberta". Com toda a sombra dos mais picantes pecados.
Quem aprecia as pinturas brejeiras pensará estar a ver o que vai nas cabeças dos donos de barcos, e está, mas engana-se ao ver ali uma modernice destinada a chamar gente aos passeios pagos. As piadas de matriz sexual existem desde sempre, a par de temas religiosos ou patrióticos, bem como dos painéis profissionais, retratando os mesteres típicos da ria.
Mais do que um part-time ou uma terapia ocupacional, este é um trabalho de preservação de memória e de um estilo naïf local, diferente do que se encontra, por exemplo, no Tejo. "Quando venho pintar um barco, esqueço-me de quaisquer outros conhecimentos que possa ter", explica, notando a importância de manter os "tons de pele uniformes, sem nuances", a simplicidade do traço a negro, as "legendas em que os erros ortográficos são propositados" ou o rigor nos floreados (documentados em fotos da visita d'el-rey D. Carlos a Aveiro), alguns deles aperfeiçoados por Jacinto Lavadeiro, o homem que decorava os moliceiros antes de José Oliveira começar, há 20 anos.
"Às vezes, tenho de inventar as piadas, mas são os clientes, geralmente, que dizem o que querem", diz, explicando que pintar um moliceiro - apenas as pinturas decorativas - é trabalho para 70 horas e salvaguardando todas as suas outras guerras artísticas: "Isto é um nichozinho naquilo que eu faço".
Pedro Olavo Simões, aqui