Há quem diga mentiras caridosas. Há quem diga meias verdades. Há quem minta simplesmente porque lhe apetece.
E há quem minta compulsivamente. Confie em nós e descubra um pouco mais sobre o mundo da mentira.
Quem nunca mentiu que atire a primeira pedra. Começando pelos falsos elogios “esse corte de cabelo fica-te muito bem”, passando pelas desculpas esfarrapadas “não vim trabalhar porque furei um pneu do carro e não tinha suplente”, até chegar às mentiras descaradas “ser o próprio a atender o telefone e dizer que não está”.
Quem nunca mentiu que atire a primeira pedra. Começando pelos falsos elogios “esse corte de cabelo fica-te muito bem”, passando pelas desculpas esfarrapadas “não vim trabalhar porque furei um pneu do carro e não tinha suplente”, até chegar às mentiras descaradas “ser o próprio a atender o telefone e dizer que não está”.
Ninguém gosta de admitir, mas todos temos um pouco ou muito de Pinóquio dentro de nós. Referimo-nos à personagem criada por Carlo Collodi, um rapazinho de madeira que queria ser de carne e osso, a quem crescia o nariz sempre que dizia uma mentira.
Recorda-se?
Prova disso, é o estudo científico realizado pelo psicólogo brasileiro Roque Theophilo, que revelou que cada um de nós mente cerca de 200 vezes por dia, o que dá uma média de uma mentira em cada cinco minutos. Seja para não ferir os sentimentos de alguém, para fugir de uma situação problemática ou até para recusar um convite, todos nós, pelo menos alguma vez, já lançamos mão deste artifício, que até tem direito a um dia no calendário.
Mas, afinal, o que é a mentira? Jorge Gravanita, psicólogo, explica-nos que se trata de “uma forma de expressão que decorre de uma distorção da realidade, através de um discurso que falsifica e mascara a verdade para si próprio ou para o outro, sendo inerente à comunicação humana”.
Embora faça parte do ser humano, o ato de mentir não é visto com bons olhos na nossa sociedade. A psiquiatra Ana Sofia Nava diz-nos o porquê: “nós, portugueses, somos um povo de tradição judaico-cristã, que nos ensina que a mentira é um pecado”. Para além disso, “está sempre associado a um preconceito de que, muitas vezes, as pessoas não têm consciência”, acrescenta. E esse pode ser um dos motivos pelos quais a verdade sobre a mentira raramente é assumida publicamente.
Embora faça parte do ser humano, o ato de mentir não é visto com bons olhos na nossa sociedade. A psiquiatra Ana Sofia Nava diz-nos o porquê: “nós, portugueses, somos um povo de tradição judaico-cristã, que nos ensina que a mentira é um pecado”. Para além disso, “está sempre associado a um preconceito de que, muitas vezes, as pessoas não têm consciência”, acrescenta. E esse pode ser um dos motivos pelos quais a verdade sobre a mentira raramente é assumida publicamente.
A dupla face da mentira
É verdade que dizemos aqui e ali pequenas mentiras, mas isso não significa que sejamos mentirosos compulsivos, como a personagem de Jim Carey no filme “O Mentiroso Compulsivo”. Aliás, há situações em que a mentira se torna aceitável e necessária para não magoar os outros ou não causar danos mais graves naquele momento. Quem partilha desta opinião é Ana Sofia Nava que defende que “a mentira pode ser uma atitude saudável e socialmente muito adequada. Tudo depende do contexto e do modo como é utilizada”.
Pensemos nas crianças. Há situações em que não é adequado contar-lhes toda a verdade. Por exemplo, de acordo com a psiquiatra, a fantasia do Pai Natal pode e deve ser mantida, pois “seria altamente traumático desfazer esta ‘mentira’ e dizer a uma criança de 3 anos: ‘ o Pai Natal não existe’”, esclarece.
No caso dos adultos, a própria vivência em sociedade pode incentivar ao uso da mentira, sem que esta seja um instrumento de má-fé. A cordialidade, por vezes, induz a uma certa dose de mentira. Por exemplo, não dizer à anfitriã que o jantar não estava agradável, ou que está menos elegante ou menos bonita.
Mas há mentirosos e mentirosos. Há pessoas que mentem melhor do que outras. Há quem minta para não magoar os outros e quem minta com a finalidade de obter algum tipo de ganho ou proveito. E há quem insista na mentira, acabando por perder noção da realidade.
De um modo geral, podemos dizer que quando a mentira é utilizada para o salvaguardar de uma relação afetiva, ou para proteger o outro, estamos perante uma situação saudável. Por sua vez, “quando a mentira é utilizada em proveito próprio, podendo ou não prejudicar o outro, ou sem qualquer objetivo claro, estamos perante a doença”, afirma Ana Sofia Nava.
Mentir apenas pelo prazer de mentir é doentio, permitindo-nos passar facilmente para a mitomania, o ato de mentir compulsivamente. E quando se atinge este patamar já estamos perante alguém para quem a mentira pode assumir contornos de dependência, como acontece com o álcool e as drogas.
A necessidade de enganar o próximo
É possível que no seu dia-a-dia já tenha encontrado um mentiroso compulsivo. Alguém que numa conversa lhe diz que namorou com figura pública, fez parte do coro da cantora pop Madonna ou mergulhou com tubarões brancos. O problema dos mentirosos compulsivos é que, como não conseguem evitar mentir, fazem de tudo para evitar que a mentira seja descoberta, criando situações e outras histórias para sustentá-las e passando a viver num estado permanente de stress.
A mentira pode surgir por várias razões. Pode ir desde o receio das consequências (quando tememos que a verdade traga consequência negativas), à insegurança ou baixa de autoestima (quando pretendemos fazer passar uma imagem de nós próprios melhor do que a que verdadeiramente acreditamos), passando por razões externas (quando algo ou alguém nos pressiona ou por motivos de autoridade superior), por ganhos e regalias (ideia de que vale a pena mentir já que ficamos em vantagem em relação aos que dizem a verdade) ou ainda por razões patológicas.
Das causas da mentira, o psicólogo Jorge Gravanita aponta a utilidade como a razão mais comum para o seu uso. “A mentira mais frequentemente observável quer nas crianças, quer nos adultos é a mentira como desculpa ou negação. Atribuir as culpas a outro e desviar as atenções de si próprio, é assim uma razão determinante para a mentira”, admite.
As consequências, essas, podem ir desde o simples embaraço e queda no ridículo a problemas mais graves, como dificuldades nos relacionamentos sociais, distúrbios de personalidade e a “perda da própria noção de realidade, funcionando como uma forma alienação”, indica o psicólogo.
O mentiroso compulsivo adquire, assim, a arte de utilizar um conjunto de “máscaras”, que lhe permite fugir à realidade e evitar os problemas. A intensidade com que acredita na mentira é tão elevada, que o mentiroso vê-a como parte de si e um meio para atingir os seus objetivos. O hábito criado, além de forte e poderoso, cria uma sensação enganosa de controlo, o que faz com que sinta vontade/necessidade de repetir o mesmo padrão de pensamento e comportamental.
Como ajudar quem mente
Sem nenhum quadro clínico específico na lista de doenças mentais, a mentira compulsiva surge, segundo Ana Sofia Nava, como uma perturbação ligada a disfunções da personalidade e associada a outros problemas psíquicos, nomeadamente dependências como o álcool e a droga. “Na verdade, a mentira por si só não é uma doença, pode ou não ser um sintoma. A mentira pode aparecer em diversas doenças psiquiátricas, mas nunca como sintoma único”, conta.
Nas crianças, a mentira pode ser um sintoma de depressão, funcionando como chamada de atenção para os pais e para os profissionais de que algo não está bem consigo, enquanto nos adultos pode surgir em diversas patologias. É o caso da psicose esquizofrénica, do distúrbio conversivo, antigamente chamado de histeria, e das síndromes de dependência de álcool ou de drogas.
No mundo dos mentirosos compulsivos, as pessoas transformam a farsa num estilo de vida. E dizer a verdade é um sofrimento para quem tem mitomania, pelo que este é um problema que deve ser tratado. Nos dependentes da mentira, o primeiro passo a dar consiste em assumir que existe um problema e de seguida procurar ajuda especializada. Como cada situação exige uma atuação diferente, tendo em conta a gravidade e a frequência das mentiras, cabe ao especialista fazer um diagnóstico diferencial e propor um tratamento apropriado.
O objetivo da terapia passa pela mudança de comportamento e pelo aumento dos níveis de confiança, de modo a que o mentiroso compulsivo, compreenda a razão que o impulsiona para a mentira, as consequências que daí advêm e o distúrbio que cria no seu próprio desenvolvimento pessoal. Afinal, a mentira é um indicador de que algo não está bem com a pessoa que mente e “aprender a lidar com a verdade permite uma relação saudável consigo próprio e com os outros”, realça o psicólogo Jorge Gravanita.
Apesar dos casos não serem frequentes, os mentirosos compulsivos andam por aí. Se este é o seu caso ou conhece alguém que sofra deste mal, procure ajuda o quanto antes e liberte-se da mentira em que a sua vida se tornou.
Escrito por Carla Mateus, com entrevista a Ana Sofia Nava, psiquiatra, e Jorge Gravanita, psicólogo, retirado daqui