Sim, é verdade que as dificuldades económicas explicam muita
da desestruturação que afeta a sociedade ocidental.
É, no entanto, altamente
perigoso atirar para as costas da crise - ou das crises, dada a génese
particular de cada uma delas - a explicação de todos os nossos males, sobretudo
quando já ouvimos quase tudo sobre esta matéria.
Jorge Jesus, por exemplo, disse que "o futebol não vai ter tanta qualidade" por causa da crise. Noutro momento, o responsável de uma associação de cidadãos automobilizados afirmou que a mesma crise poderá vir a ter "efeitos desagradáveis, dramáticos ou trágicos em termos de sinistralidade". Mais complicado seria, já se sabe, dissertar sobre as complexas teias do mundo da bola ou sobre o duvidoso civismo dos portugueses ao volante. Acusar a crise não exige comprovativo científico e garante 'sound byte' na imprensa.
Jorge Jesus, por exemplo, disse que "o futebol não vai ter tanta qualidade" por causa da crise. Noutro momento, o responsável de uma associação de cidadãos automobilizados afirmou que a mesma crise poderá vir a ter "efeitos desagradáveis, dramáticos ou trágicos em termos de sinistralidade". Mais complicado seria, já se sabe, dissertar sobre as complexas teias do mundo da bola ou sobre o duvidoso civismo dos portugueses ao volante. Acusar a crise não exige comprovativo científico e garante 'sound byte' na imprensa.
Anteontem, poucas horas após o infame tiroteio no Connecticut, vozes
frenéticas levantaram-se precipitadamente para culpar a crise (americana que é,
já se sabe, bem diferente da portuguesa) para explicar o ímpeto criminoso do
jovem que abateu a tiro a mãe (colecionadora compulsiva de armas) antes de
atirar a matar sobre 26 crianças e se suicidar. Culpar a crise foi, lá como cá,
mais cómodo do que encarar as verdadeiras raízes de um problema que a América
insiste em não querer enfrentar.
O presidente norte-americano apareceu perante a imprensa a condenar o "crime
abominável" e prometer "medidas significativas" para impedir tragédias como esta
que, lamentavelmente, são cada vez mais comuns na América. Pelo meio, ainda
chorou. Foram lágrimas de crocodilo. As alterações legislativas à posse de armas
- incluindo as de calibre militar ao alcance de civis - está nas mãos de Barack
Obama. Tivesse ele força para contrariar lobbies militaristas, a indústria, uma
direita conservadora ou simplesmente cidadãos paranoicos com uma falsa sensação
de segurança. Tal como a mãe de Adam Lanza, uma colecionadora de brinquedos
letais que terá preferido educar o filho na carreira de tiro (há quem o
testemunhe) do que no parque infantil de uma localidade pacata, até anteontem,
do Connecticut. Ela faz parte dos 50% de norte-americanos que, segundo a Gallup,
estão satisfeitos com as leis sobre o porte de arma no país cujos cidadãos têm
mais armamento per capita do que em qualquer outra nação. E, destes, 45% guardam
algum tipo de arma em casa.
Mais do que lágrimas, que dificilmente se distinguirão entre ser genuínas ou
politicamente hipócritas, Obama precisará de coragem. Coragem para que não o
obriguem a fazer declarações de circunstância, como a que fez em meados deste
ano após a chacina, por outro 'serial killer', de 12 pessoas que assistiam num
cinema de Aurora, no Colorado, ao último 'Batman'. E, sobretudo, para que não
tenha de verter de novo lágrimas equívocas.
Retirada daqui