terça-feira, 18 de dezembro de 2012

CRISE E LÁGRIMAS DE CROCODILO

Sim, é verdade que as dificuldades económicas explicam muita da desestruturação que afeta a sociedade ocidental

É, no entanto, altamente perigoso atirar para as costas da crise - ou das crises, dada a génese particular de cada uma delas - a explicação de todos os nossos males, sobretudo quando já ouvimos quase tudo sobre esta matéria.


Jorge Jesus, por exemplo, disse que "o futebol não vai ter tanta qualidade" por causa da crise. Noutro momento, o responsável de uma associação de cidadãos automobilizados afirmou que a mesma crise poderá vir a ter "efeitos desagradáveis, dramáticos ou trágicos em termos de sinistralidade". Mais complicado seria, já se sabe, dissertar sobre as complexas teias do mundo da bola ou sobre o duvidoso civismo dos portugueses ao volante. Acusar a crise não exige comprovativo científico e garante 'sound byte' na imprensa.

Anteontem, poucas horas após o infame tiroteio no Connecticut, vozes frenéticas levantaram-se precipitadamente para culpar a crise (americana que é, já se sabe, bem diferente da portuguesa) para explicar o ímpeto criminoso do jovem que abateu a tiro a mãe (colecionadora compulsiva de armas) antes de atirar a matar sobre 26 crianças e se suicidar. Culpar a crise foi, lá como cá, mais cómodo do que encarar as verdadeiras raízes de um problema que a América insiste em não querer enfrentar.

O presidente norte-americano apareceu perante a imprensa a condenar o "crime abominável" e prometer "medidas significativas" para impedir tragédias como esta que, lamentavelmente, são cada vez mais comuns na América. Pelo meio, ainda chorou. Foram lágrimas de crocodilo. As alterações legislativas à posse de armas - incluindo as de calibre militar ao alcance de civis - está nas mãos de Barack Obama. Tivesse ele força para contrariar lobbies militaristas, a indústria, uma direita conservadora ou simplesmente cidadãos paranoicos com uma falsa sensação de segurança. Tal como a mãe de Adam Lanza, uma colecionadora de brinquedos letais que terá preferido educar o filho na carreira de tiro (há quem o testemunhe) do que no parque infantil de uma localidade pacata, até anteontem, do Connecticut. Ela faz parte dos 50% de norte-americanos que, segundo a Gallup, estão satisfeitos com as leis sobre o porte de arma no país cujos cidadãos têm mais armamento per capita do que em qualquer outra nação. E, destes, 45% guardam algum tipo de arma em casa.

Mais do que lágrimas, que dificilmente se distinguirão entre ser genuínas ou politicamente hipócritas, Obama precisará de coragem. Coragem para que não o obriguem a fazer declarações de circunstância, como a que fez em meados deste ano após a chacina, por outro 'serial killer', de 12 pessoas que assistiam num cinema de Aurora, no Colorado, ao último 'Batman'. E, sobretudo, para que não tenha de verter de novo lágrimas equívocas.

Retirada daqui