segunda-feira, 16 de julho de 2012

PERSPECTIVA PESSOAL DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA - PARTE I / V I

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A organização administrativa como estratégia de desenvolvimento do território nacional tem uma história já longínqua, havendo necessidade de recuar ao período de ocupação romana para conhecer a primeira divisão administrativa, que avançou até aos nossos dias passando pelo processo de construção do Estado liberal levado a cabo durante as primeiras décadas do século XIX.



Desta forma, decorreram mais de vinte séculos de divisões territoriais que foram adaptando as potencialidades regionais específicas à coesão territorial.


O actual mapa administrativo começou a ser desenhado em 1830, por decreto de 26 de Novembro publicado nos Açores, e pelo qual foram instituídas as juntas de paróquia, por se ter entendido que era necessário existir em todas as paróquias, uma autoridade local que tivesse a confiança dos vizinhos, e a quem pudesse ser entregue a administração dos respectivos negócios e interesses particulares.


Apenas dois anos depois, estas juntas de paróquia foram extintas e as freguesias, embora passando a ter um papel menos relevante, mantiveram a sua importância para a determinação do número de vereadores que constituíam as câmaras municipais.


Etimologicamente, a palavra ‘freguesia’ deriva das expressões latinas ‘filius eclesiae’ (filho da igreja) e ‘filus gregis’ (filho do rebanho); a linha evolutiva desta última expressão, deu lugar aos étimos intermédios ’filiu gregis’ e ‘filigrés’, que por sua vez originaram as expressões ‘feligrés’ (freguês) e ‘feligresia’ (freguesia), respectivamente.


Tratou-se de uma alteração protagonizada por Mouzinho da Silveira e consubstanciada na reforma de inspiração napoleónica, formalizada pelo Decreto nº 23, de 16 de Maio de 1832, que consagrou a separação de poderes judicial e político, e promoveu uma nova organização administrativa territorial, dividindo o país em províncias, comarcas e concelhos.


Logo depois da instituição desta nova divisão territorial, foi promulgado um decreto em 28 de Junho de 1833 que, complementando a reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, enunciou expressamente as freguesias como parte integrante da organização administrativa e territorial, constituindo-as na esfera eleitoral, como o círculo base, corrigindo desta forma o papel pouco expressivo que inicialmente lhes tinha sido atribuído.

Logo a seguir, na reforma municipal de 1836, da qual resulta o Código Administrativo de Passos Manuel, verificam-se já os princípios basilares da organização quanto à eleição das juntas de freguesia, compostas por 3, 5 ou 7 membros, eleitos directamente conforme o número de fogos, os quais escolhiam entre si o respectivo presidente.

Havia também um regedor escolhido pelo administrador do concelho, com base numa lista de 3 membros eleitos pelos cidadãos da paróquia com funções policiais e também de executor das deliberações da Junta.
Quase um século depois, a Constituição de 1933 destacou particularmente as freguesias na organização político-administrativa, determinando-as como as únicas autarquias directamente eleitas pelas famílias.

As freguesias ficaram então constitucionalmente consagradas como agregados de famílias que, dentro dos respectivos territórios municipais, desenvolviam acção social comum por intermédio dos seus órgãos.

A partir de 1976, a Constituição da República consagrou as autarquias locais como peça integrante da organização político-administrativa da organização democrática da administração do Estado, conferindo às freguesias o lugar de base dessa administração, o que se revela uma particularidade da nossa administração local, considerando que na generalidade dos países europeus, a autarquia de base é ocupada pelos municípios.

Mas colocados perante a actual e espartilhada estrutura territorial e administrativa não podemos, em consciência, afirmar que Portugal entrou no século XXI com uma organização administrativa ao serviço dos interesses do país e das populações.


Esta é, está bem de ver, uma história em traço grosso que não ignora os pormenores mais importantes da reorganização administrativa do país, e que traz à ribalta alguns factos que já têm o pó de, praticamente, dois séculos.


Efectivamente, sendo o país de meados do século XIX completamente diferente do país da segunda década do século XXI, nestas dezoito décadas pouco foi feito em termos de racionalização de uma estrutura administrativa, em resultado do que, a par de municípios com pouco mais de três mil habitantes há freguesias com dezenas de milhares de eleitores.

Este imobilismo, comum nos países do sul da Europa, está em contraponto com a evolução ocorrida em Inglaterra e nos países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia) cuja governação local goza da grande autonomia e desempenha um largo leque de funções na implementação do ‘Estado de Bem-estar social’, uma descentralização só possível em resultado da autonomia dos poderes locais preconizada pela reforma protestante, onde a institucionalização das políticas sociais do ‘Estado de Welfare’ é delegada no poder local, aumentando a eficiência, o output, a participação dos cidadãos e a responsabilidade dos funcionários.

Contrariamente, no sul da Europa, a governação mantem-se altamente centralizada, e às estruturas municipais, apesar de lhes ter sido conferido maior peso político, apenas lhes foram transmitidas competências para a implementação de políticas locais, uma influência da reforma de Napoleão que aceitou a divisão do território em unidades administrativas dependentes do poder central mas que no desenvolvimento do ‘Estado de Welfare’, não apresentam dimensão suficiente para a implementação de políticas sociais, as quais se mantêm, assim, na alçada do poder central.

No entanto, reconhecendo-se incapazes de satisfazer a procura de serviços, e confrontados com a progressiva degradação do ‘Estado de Bem-estar social’ os governos centrais dos países do sul da Europa começaram, começaram a enveredar por políticas de racionalização dos respectivos mapas autárquicos, transferindo, paulatinamente, competências para o poder local dos seus municípios, que progressivamente passaram a abarcar tarefas no domínio da educação, saúde e apoio social.

Uma transferência que, contudo, não apresenta os desejáveis resultados, uma vez que uma grande quantidade de municípios não consegue a eficiência pretendida por força da inadequação da sua dimensão.

A acrescer este facto, os municípios são cada vez mais vistos como unidades de negócio que têm que desenvolver a sua estratégia de atracção de investimentos e estimular à localização industrial; mas, mais uma vez, é necessária dimensão.

Por sua vez, e não obstante a sua autonomia relativamente aos municípios, o quotidiano dos presidentes de junta é um diário ‘estender de mão’ às câmaras municipais, em permanente condicionamento do livre exercício do seu mandato em função da subalternização financeira a que as juntas de freguesia que lideram estão votadas.

Apesar disso, e mesmo vivendo com enormes dificuldades e constrangimentos, as freguesias continuam a desempenhar um papel importante junto das comunidades locais.


Acontece porém que, na maior parte dos países europeus a sustação da despesa pública e do endividamento externo são duas das medidas implementadas pelos governos com vista à redução dos respectivos custos, com vista a aumentar a eficácia e a produtividade dos serviços.

(1ª de 6 partes: continua)