terça-feira, 24 de julho de 2012

ERA UMA VEZ...

LINDINHO E FEIÃO

Lindinho e feião
A minha tia tem telemóvel, mas só para falar para o meu primo. É um telemóvel de sentido único.
- Lindinho, estás na piscina? Não vás para a água senão com o estômago vazio.
Ou:
- Lindinho, estás na praia? Não andes ao sol senão com chapéu.
Ou:
- Lindinho, estás na esplanada? Não te empanturres em gelados senão não jantas
.

Tudo recomendações sensatas, a que o meu primo Arlindo ou Lindinho presta a atenção devida. O Arlindo sempre foi um rapazinho atilado e obediente, o que só lhe fica bem.
Tem um único defeito, que nem sei se defeito será. É muito esquecido.
À conta deste senão, perdeu, há dias, o telemóvel. Deixou-o na areia da praia. 


Um velho pescador, desses que já não pescam, mas nunca se desapegam do mar, descobriu o telemóvel, no preciso instante em que ele se pôs a tocar. Automaticamente, atendeu e ouviu:
- Lindinho, estás na praia? Toma cuidado e não andes ao sol senão com chapéu...
O pescador, a quem nunca ninguém o tratara por lindinho, levou a mão à testa descoberta e curtida de muitos sóis e fez um ar de grande espanto.
- Lindinho, estás a ouvir-me? - prosseguia a minha tia. - Não vás para a água senão com o estômago vazio.

Com esta é que o velho pescador não contava. Tinha mesmo de responder:
- Ó minha senhora, não têm conta as vezes que eu me fiz ao mar de estômago vazio...
- Quem está aí? - estranhou a minha tia. - Não é o Lindinho?
- Lindinho, minha senhora, só se fosse para a minha mãe, que Deus lá tenha em descanso.
- Então com quem é que eu estou a falar?
- Com o Zé da Felismina, também conhecido por Feião pela minha gente do bairro dos pescadores.
Alarmou-se a minha tia:
- E o meu filho? Onde pára o meu Lindinho?
O Zé pescador tranquilizou-a e palavras depois tudo estava esclarecido. Ele próprio se encarregou de ir levar o telemóvel do meu primo à casa de férias dos meus tios.
Este desencontro de vozes deu, afinal, oportunidade a que Lindinho e Feião se encontrassem e conhecessem.
O velho pescador conta ao meu primo peripécias da sua antiga vida de homem do mar e anda, agora, a ensiná-lo a pregar o isco ao anzol e a lançar a linha. O meu primo Arlindo até já pescou um robalito.
Assim se desenvolveu uma grande amizade. 
Os telemóveis são, realmente, uma grande invenção.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui