terça-feira, 10 de julho de 2012

É POSSÍVEL INVENTAR EUROPEUS?

Um dia destes vamos ter de começar pelo princípio, numa Filadélfia qualquer.

John Adams foi o segundo presidente do Estados Unidos, depois de George Washington e antes do seu amigo (e depois adversário) – Thomas Jefferson.

É um dos founding fathers dos Estados Unidos mais esquecidos: George Washington comandou o Exército; Jefferson escreveu o draft da declaração de independência; Benjamim Franklin inventou o pára-raios e passou a vida entre cargas e descargas eléctricas.


De Adams, um advogado-agricultor do Massachussets que passou a guerra da independência como embaixador na Europa ninguém se lembra.

Mas talvez se deva a John Adams, mais do que a qualquer dos outros, os Estados Unidos, na sua configuração actual. Adams foi furiosamente criticado por ser um federalista que, na época, equivalia a reaccionário e centralista. Foi um dos principais defensores da constituição daquilo que é hoje a Reserva Federal, um mecanismo que permitisse à federação de Estados responsabilizar-se por todos os empréstimos contraídos por cada Estado isoladamente.

A questão dos Estados ricos/Estados pobres colocou-se. John Adams não conseguiu ser reeleito – saiu da recém-inaugurada Casa Branca para dar o lugar àquele que na altura era mais revolucionário (e mais socialista e também mais defensor de um governo central com o mínimo de poderes) Thomas Jefferson. O filho John Quincy Adams, mais tarde eleito também presidente dos Estados Unidos, também seria um defensor de uma união forte.

A história de John Adams é interessante para se perceber como a formação dos Estados Unidos da América foi um processo dificílimo – e que o chamado "egoísmo" dos Estados não foi derrotado logo à primeira. De certa maneira, até pode ser vista como um bálsamo de optimismo para os dias negros que atravessamos na Europa ou servir de excelente justificação merkeliana de que não há soluções instantâneas para salvar o euro.

Infelizmente, não serve. Na América do século XIX existiam americanos – uns da Virgínia, outros do Massachussets, etc. – mas eram americanos. Tinham derrotado juntos um colonizador (com muitas hesitações iniciais da parte de alguns estados); falavam a mesma língua; no novo mundo a terra era imensa e inesgotável.

Aqui, na Europa do século XXI não há – como nunca houve nos séculos anteriores – europeus. Os europeus não se inventam à razão da multiplicação do número de programas Erasmus.

Um dia destes vamos ter de começar do princípio, numa Filadélfia qualquer – a aprender devagarinho como se fazem europeus, se é que se fazem.

Até lá, é possível que estejamos todos mortos.

Ana Sá Lopes, aqui