
O futebol é, quase sempre, uma espécie de ansiolítico,
sobretudo num país, como o nosso, em que a realidade nos sugere sucessivas
escapadelas para um lugar mais confortável (para uma zona de conforto, como
agora se diz) do que aquele que resulta da soma dos nossos problemas, sejam eles
individuais ou coletivos.
Está bom de ver: tudo o que não seja grande notícia (o resgate financeiro de
Espanha, por exemplo) passa ao lado do comum dos mortais. Quando a futebolada
terminar, os mortais voltam a si mesmo e descobrem que, entretanto, o Estado,
apanhando-os distraídos, andou a fazer das suas. Quer dizer: andou ao esbulho,
dando asas à marca de saqueador que os tempos de poupança máxima e receita
máxima apenas agudizam.
Querem ver?
No acordo rubricado com a troika, o Estado comprometeu-se a avaliar, até ao
final deste ano, cinco milhões de prédios urbanos comprados depois de 2003.
Objetivo: aumentar - e muito, se possível - a receita em sede de Imposto
Municipal sobre Imóveis (IMI). Alguém há de ter mandado as mãos à cabeça e
disparado uma gordas asneiras quando, há dias, reparou que, a seis meses do
final de 2013, só um quinto (200 mil) imóveis foram, de facto, avaliados.
O que fazer? Contratam-se mais 900 peritos para acelerar a coleta, nem que
para isso seja necessário recorrer ao mapas do Google, um instrumento de
legalidade muito, muito duvidosa. A celeridade com que o Estado encontra
estratégias - e dinheiro (sim, porque estes 900 peritos não devem sair
baratinhos) - é uma coisa espantosa. E a celeridade e a imaginação: agora, o
saque pode ser feito em plena autoestrada (se o condutor mandado parar tiver
dívidas ao Fisco, arrisca-se a ficar sem automóvel ali mesmo).
Claro: como a reavaliação do IMI a pagar será feita em cima do joelho, para o
ano disparam as queixas dos contribuintes. As queixas e as falências - para quem
está com a corda na garganta, umas centenas de euros fora do bolso rebentam com
o orçamento lá de casa.
O Estado andou décadas a fio a estimular a aquisição de casa. Agora, aflito,
tributa a sério a propriedade. É de loucos? É. Só não é para quem tem
escapatória. Quer dizer: para os que têm dinheiro suficiente para constituir um
fundo de investimento imobiliário, isento de IMI e IMT.
Valha-nos a bola. Quando acabar o Europeu, regressa a nossa liguinha. O
ansiolítico será de espetro mais curto. Mas lá estará para nos ajudar a
sobreviver. Já não será mau...
Retirada daqui