segunda-feira, 5 de março de 2012

O PROBLEMA NÃO É O DESPESISMO DO ESTADO

Vi, esta semana, um noticiário da televisão generalista.

Notícias avulsas. Um carro do Instituto de Conservação da Natureza parado à porta de sede local enquanto a o Parque de Montesinho ardia e os bombeiros se espantavam pela ausência no terreno dos técnicos do ICN.

Razão possível avançada pelo jornalista: poupança na gasolina. Milhares perdidos para poupar umas centenas. Alteração no funcionamento dos hospitais de Tomar e Torres Novas faz com que muitos pacientes fiquem a mais de cinquenta quilómetros de urgências diferenciadas. Risco de falta de medicamentos por não pagamento de dívida a uma empresa da indústria farmacêutica. Redução de despesas no transporte de doentes.

Encerramento de dezenas de tribunais deixa ainda mais isolados concelhos do interior. Redução do montante do subsídio de desemprego e da duração da prestação só está à espera da luz verde do Presidente da República. O Instituto de Emprego e Formação Profissional vai passar responsabilidades, na colocação de desempregados, para empresas de trabalho temporário, os negreiros da modernidade.

É a imagem de um Estado em esvaziamento e de um País que, pouco a pouco, vai ficando paralisado, como se peças fundamentais para o funcionamento de uma máquina fossem faltando sem que ninguém as subsitua. É por necessidade, dirão muitos. O Estado andou a gastar o que não tinha, repetirão. Como na Grécia, concluirão.

Até à crise financeira global de 2008, Portugal tinha, em 2007, uma dívida pública inferior, em percentagem do PIB, à Alemanha e à zona euro: Portugal com 62,7%; Alemanha com 64,9%; zona euro com 66,2%. Foram os juros e a perda de receitas com a crise económica, e não um súbito despesismo público, que mudaram esta realidade.

Mas vamos aos números atuais de três países em dificuldade. A dívida pública grega corresponde a 42% do total da sua dívida. A metade restante divide-se pelos bancos (17%), empresas não financeiras (23%) e proprietários de casa (17%). Bem diferente da estrutura da dívida espanhola e portuguesa. A dívida pública corresponde a 13% do total da dívida espanhola e a 15% da portuguesa. A dos bancos corresponde a 39% e 30% da dívida espanhola e portuguesa, respetivamente. E as dívidas por compra de casa correspondem a 17% da dívida espanhola e a 23% da dívida portuguesa. Se olharmos apenas para a dívida externa o padrão repete-se. O Estado grego é responsável por 55% da dívida externa do país, o espanhol e o português por 17% e 26%, respectivamente. Mais um dado interessante: 48% da dívida externa portuguesa e espanhola e 41% da grega é a bancos alemães e franceses. Ou seja, são nossos credores, não são nossos amigos.

É com base nestes números, e não na repetição até à náusea de mitos urbanos sobre o despesismo do Estado, que deveríamos discutir a nossa situação e procurar soluções. É estranho que, perante estes factos, a grande prioridade do governo seja continuar a emagrecer o Estado. A nossa prioridade é o crescimento económico e a poupança privada. A outra é aumentar as exportações. Tudo para garantir liquidez na nossa economia. Por fim, garantir um mais eficaz mercado de arrendamento que obrigue menos gente a comprar casa. O governo fez a lei das rendas mas falta a parte do Estado, que tem de ser um agente ativo neste mercado.

O que estamos a fazer é cortar num dos fatores com menor responsabilidade na nossa dívida. O resultado, como se tem visto, é o oposto ao pretendido, porque as contas do Estado não são independentes da economia. E, com isso, estamos a criar condições para piorar a nossa saúde económica, impedindo o crescimento e a poupança e agravando todas as variáveis responsáveis pelo nosso endividamento externo.

Poderá dizer-se que nos sobra muito pouca margem de manobra perante as imposições externas e que sem uma solução em Berlim e em Bruxelas dificilmente poderemos ter uma política expansionista, que é aquilo que realmente precisamos. Não me parece que ser mais troikista que a troika corresponda a aceitar apenas uma limitação imposta por outros. Mas o que não vale mesmo a pena é continuar a insistir numa mentira sobre as origens das nossas dificuldades. Porque quando o fazem percebemos que o problema de quem nos governa não é a dificuldade em lidar com variantes que não controla. É mesmo um preconceito ideológico mais forte do que a clareza dos números.

Daniel Oliveiraaqui