quarta-feira, 28 de março de 2012

GRANDES MALES, GRANDES REMÉDIOS

O crédito abundante e barato criou a ilusão da existência de recursos ilimitados.

A concomitância com os fundos europeus ajudou a consolidar a convicção. E assim se foi alimentando um modelo económico, insustentável, centrado no imediatismo, na despesa, pública e privada, sem racionalidade e no mercado interno.

Até ao dia em que as facilidades acabaram. Incrédulos, entrámos em estado de negação de que alguns persistem em não querer sair.

Muitos dos restantes reagiram como é costume, olhando à sua volta para encontrar, nos outros, o culpado. Dito e feito. Na política, Sócrates e os seus governos servem na perfeição. Na economia, as grandes empresas e o seu conúbio com o poder explicam o resto. Paulatinamente, foi-se criando o consenso, expresso em vários fóruns e análises, de que o défice de competitividade da economia portuguesa é da responsabilidade das rendas excessivas apropriadas pelas grandes empresas e que o défice e a dívida pública se explicam pelas parcerias público-privadas (PPP) estabelecidas com... as grandes empresas.

Pouco importa que, ainda há pouco tempo, os mesmos que tal clamam tenham considerado uma descida da taxa social única de 4 pontos percentuais, que baixaria os custos das empresas em cerca de 1200 milhões de euros, insuficiente para readquirir competitividade nos mercados internacionais.

Agora parece que 200 milhões de rendas excessivas que fossem, mais a mais distribuídos por clientes domésticos e empresas, são a panaceia. Nas PPP, efabula-se como se as estradas, os hospitais ou o que fosse pudessem voltar atrás. Nessa lógica, avançam-se com números fantasiosos mas agora de sinal contrário. Quem decidiu, inicialmente, olhou o futuro do lado dos benefícios. Agora, apresentam-se os custos totais, como se de um esbulho se tratasse, como se não houvesse sempre custos a suportar, mesmo que a alternativa não fosse uma PPP. A radicalização da análise serve, quase sempre, para distrair atenções e alijar responsabilidades próprias. Mistifica e não ajuda, sequer, à negociação que só pode avançar assente em bases sólidas e estudos não enviesados.

Ao contrário do que pode ser intuitivo e, sobretudo, conveniente, quando se tem um grande problema, e Portugal tem um grande problema, raramente o mesmo é da responsabilidade exclusiva de um número pequeno de entidades que se conhecem, cujo poder se intui e escrutina. O problema só se torna difícil de resolver por haver uma proliferação difusa de pequenas rendas, propriamente ditas ou provenientes de ineficiências e distorções as mais variadas, sem penalização no mercado. Juntas, somam milhões. Resultam de grandes concursos e contratos, apesar de tudo, cada vez mais sob vigilância pública. Resultam de milhares de pequenos concursos, que passam incógnitos, com cláusulas destinadas a favorecer alguém, impedindo ou distorcendo a concorrência.

Têm em comum o envolvimento de fundos públicos ou europeus mas não só. Fazem parte de uma cultura, herdada do salazarismo e alimentada pelo crescimento tentacular do Estado, que abomina o mercado. Passos Coelho tem razão em a querer atacar. Se não ceder, vai ter guerra para mais de uma legislatura com vastas frentes de batalha: interesses os mais diversos que se habituaram a viver à sombra e à custa do Estado, as corporações sindicais e patronais, as ordens profissionais, os grupos de interesse não declarados, o nepotismo e o compadrio, a falta de cultura de concorrência, a inércia. Sem um sistema de justiça eficaz dificilmente será bem-sucedido e, nessa frente, as notícias não são animadoras.

Existia a expressão ad hominem. A associação sindical dos juízes inovou e criou os processos ad governum. Um precedente perigoso, e um teste aos outros poderes. A reforma da justiça não é apenas uma questão de organização. É, sobretudo, uma questão de pessoas. Se não se pode fazer uma reforma contra os funcionários, com gente mesquinha e medíocre a tarefa fica ciclópica.

Paula Teixeira da Cruz vai ter de suar e ter arte.

Alberto Castro, aqui