A esmagadora maioria dos homens que, como eu, andam por aí há mais de meio século vivem aterrorizados com o cancro na próstata, que além de ser uma ameaça estatística com prováveis consequências devastadoras para a vida sexual das vítimas ainda por cima é tradicionalmente despistado por um método invasivo (o famigerado toque rectal) que esfrangalha o orgulho de qualquer macho latino.
Como, no particular das doenças, sou absolutamente irresponsável, sinto-me no dever de explicar que este tópico só me veio à cabeça por ter tropeçado numa notícia susceptível de nos engraxar o orgulho patriótico.
A saber, da colecção do Museu Nacional de Arqueologia consta uma múmia egípcia com 2300 anos de idade a quem foi diagnosticado uma cancro na próstata com extensões ósseas que faz dela um caso único no Mundo.
O cancro na próstata é um bom ângulo para abordar os cortes orçamentais que levaram um milhão de portugueses a perder a isenção total no acesso aos cuidados de saúde de que beneficiavam.
O Serviço Nacional de Saúde é, regra geral, muito bom, mas também é muito caro e comporta muito desperdício. Como, também na saúde, estávamos a viver acima das nossas possibilidades, Passos Coelho não teve outro remédio senão cometer a um gestor experimentado a tarefa de, em dois anos, abater 1,3 mil milhões de euros a um orçamento de 8,5 mil milhões de euros.
Era insustentável que a nossa despesa global com saúde se mantivesse acima dos 10% do PIB. O ajustamento brutal no orçamento do Ministério de Paulo Macedo implica mais receitas (daí o aumento das taxas moderadoras) e ganhos de eficiência - mas também menos transplantes, menos cirurgias, menos TAC e ecografias, menos subsídios aos medicamentos.
A propósito de menos cirurgias, vale a pena reflectir sobre o que nos contam sobre o caso do cancro na próstata Jerome Groopman e Pamela Hartzband, no recomendável livro intitulado Your Medical Mind, How to Decide What is Right for You, que problematiza a questão da racionalidade das decisões em matéria de saúde - e a quem elas devem competir.
Quando é diagnosticado cancro na próstata, nove em cada dez urologistas recomendam a remoção do órgão. Esta decisão, que parece razoável, é contestada pelos autores do livro citado, que chamam a atenção para o facto deste carcinoma evoluir lentamente e demonstram haver mais homens a morrer com este cancro do que por causa dele.
Jerome e Pamela convidam-nos a olhar para as estatísticas provando que apenas um em cada 48 pacientes a quem foi removida a próstata beneficiaram com essa cirurgia. E acrescentam que, como agravante, dos restantes 47, um pouco mais de metade (24) sofreram efeitos secundários (incontinência e impotência ou perda de desejo sexual) da intervenção.
Moral desta história: dar informação e poder ao doente para decidir é também uma forma de poupar. E gastar menos com a saúde não significa sermos menos saudáveis - e é fundamental para fazer com que o toque rectal (em sentido figurado) a que estamos todos submetidos seja menos violento e de mais curta duração.
Jorge Fiel, aqui