Ex-diretor-geral da O2 entra em campo depois de já ter dado empurrão na investigação durante a fase de inquérito mas não quer colocar em causa outros arguidos.
“Temos para três meses”. O desabafo de um advogado no final da audiência de ontem do Face Oculta espelha bem a alteração de rumo que o julgamento da alegada “rede tentacular” conheceu com a disponibilidade um dos homens de confiança do empresário Manuel Godinho para ´abrir o livro´, uma leitura demorada é certo, mas ainda de consequências imprevisíveis no que toca à produção de prova.
Namércio Cunha ressalvou, logo de inicio, que lhe estavam atribuídas “funções mais técnicas”, reafirmando, ingenuamente ou não caberá ao tribunal concluir, nunca se ter apercebido dos contornos alegadamente criminosos (corrupção, tráfico de influências e furtos) em que se movimentava enquanto um dos peões avançados dos negócios de sucata que envolveram figuras ligadas aos meios politicos e das empresas públicas, como Armando Vara, José Penedos ou Paulo Penedos.
Isto pelo menos até ao dia em que Polícia Judiciária (PJ) começou a dar conta dos indícios da investigação, culminando com o momento em que ouviu o Ministério Público (MP) defender a sua prisão preventiva, a que acabaria por escapar embora obrigado a pagamento de caução de 25 mil euros para continuar em liberdade.
“Chegou o dia de colaborar”, afirmou, sem vacilar, Namércio Cunha, ontem ao final da tarde dirigindo-se ao juiz presidente Raul Cordeiro, a quem manifestou interesse em clarificar algumas declarações prestadas na fase anterior que “pela maneira como ficaram escritas merecem ser esclarecidas”.
Um depoimento surpreendente só pela oportunidade escolhida, já que era dado como certo com ´o andar da carruagem´, depois de ter optado pelo silêncio no inicio, ao que deu a entender, aconselhado pela advogada.
A regra tinha sido quebrada entre os 34 arguidos singulares até ontem apenas por Armando Vara (ex-administrador da CGD e BCP), José Penedos (ex-presidente da REN), Paulo Penedos (advogado), António Paulo Costa (ex-diretor de relações institucionais da Galp)e José Contradanças (administrador da Indústria de Desmilitarização da Defesa).
Namércio Cunha, dos poucos que compareceu a todas as audiências do julgamento, foi diretor-geral da O2, a empresa de tratamento de resíduos de Manuel Godinho no centro dos alegados favorecimentos em contratos a troco de contrapartidas a administradores, quadros superiores e funcionários, entre outras, da REN, Galp e Refer.
Depoimento sem responsabilizar ou julgar outros arguidos
Mostrou-se disposto a responder quase incondicionalmente e sobre “todos os assuntos” que lhe digam respeito no âmbito da acusação pública, continuando com “o que tem feito” desde a fase de inquérito, isto é “colaborar no esclarecimento da verdade”.
O depoimento começou pelas 17:00, com escassa meia hora da 17ª sessão por cumprir, tendo motivado, por coincidência ou não, a presença de João Godinho, filho de Manuel Godinho, também arguido, que há muito não se via pelo tribunal.
O fim da audição do inspetor da PJ Afonso Costa, responsável pela investigação aos contratos da REN, reduziu a escassa meia hora o primeiro dia ouvidos postos no ex-diretor-geral da O2. Serviu para o juiz presidente iniciar o resumo de depoimentos constantes de mais de uma dezena de interrogatórios a que o arguido compareceu durante o inquérito com respostas dadas à PJ e MP.
As perguntas feitas então pelo investigadores colocaram Namércio Cunha, usando as suas palavras, “ciente da gravidade” dos factos, pois antes disso “não tinha a mínima consciência da situação”. Falará novamente agora do que conhecer, “embora sem responsabilizar ou julgar” terceiros envolvidos no processo.
Sabia da amizade entre o patrão e Armando Vara ou o gestor Lopes Barreira. Desconhecia a entrega de carros de alta cilindrada a arguidos ou os pagamentos a Paulo Penedos, embora estivesse a par dos serviços como advogado, nomeadmente em contratos com a REN.
Psicólogo teme perder casa
Psicólogo de formação, Namércio Cunha, 42 anos, parece desenquadrado do perfil de quem se movimenta nos negócios da sucata. Rapidamente ganhou fama de arrependido do processo, embora o proveito só no final se verá pelo veredito do coletivo perante os crimes e associação criminosa e corrupção ativa pelos quais responde.
O antigo quadro da O2 é a quem se atribuiu a organização das famosas prendas por grau de importância que Manuel Godinho oferecia a pessoas de quem pretendia boas influências.
Luta nos tribunais também contra o arresto dos bens que o MP pretende que revertam a favor do Estado Uma vivenda, em Oliveira do Bairro, construída com as poupanças próprias e dos pais mesmo antes, garantiu, de começar a trabalhar para Manuel Godinho. “Foi muito duro, quererem a única coisa que tenho para deixar à minha filha”, por quem também se empenha em defender a sua conduta para mais tarde perceber, disse numa nota pessoal.
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