sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

SUGESTÃO DE LEITURA - PORQUE O FIM DE SEMANA ESTÁ AÍ

O ano que findou há poucos dias não foi avaro foi para essa pequena legião de resistentes que são os leitores de poesia.

É verdade que o género voltou a estar quase arredado das apostas das principais editoras – tendência que, por certo, irá acentuar-se em 2012 – e não consta que algum livro de poesia tenha entrado em qualquer tabela dos mais vendidos (como se isso significasse algo). E, no entanto, a poesia deu sinais de franco dinamismo.

Além da multiplicidade de edições (em formato artesanal ou de auto-edição, pouco importa), das revigorantes propostas de inúmeros colectivos de poesia e das novas obras de autores como Gastão Cruz, José Agostinho Baptista ou Bernardo Pinto de Almeida, só para citar alguns exemplos, o Prémio Camões foi entregue a um dos maiores artífices da língua portuguesa, Manuel António Pina, motivo de regozijo para todos quantos ainda entendem que a literatura não se esgota no marketing.

Na recta final de 2011, o mesmo autor, após um hiato poético de oito anos, publicou Como se desenha uma casa, livro em que a depuração e a pureza presentes há muito na sua escrita atingem um novo cume.

“Uma casa é as ruínas de uma casa, / uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra; / desenha-a como quem embala um remorso, / com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso”, escreve logo no inaugural poema homónimo, num tom que encontra eco ao longo das páginas seguintes.

O regresso à essência, a marcha inexorável do tempo e a necessidade do silêncio pairam sobre estes escritos, nos quais a beleza e a melancolia caminham de par em par, numa dança assombrada que ora nos cativa ora nos repele. De permeio, convoca os companheiros de sempre, como os gatos e os livros, “esta espécie de coração (o nosso coração) dizendo ‘eu’ entre nós e nós”.

Não menos impressiva é a segunda parte do livro, Amigos e outras moradas. Nos nove poemas aí inscritos, Pina revisita amizades (e)ternas, como as de Eugénio e de Mário Cesariny, e, para lá da dor que a partida de alguém próximo nos provoca, tudo relativiza com a ironia desarmante de sempre. “Mortos estamos todos. A gente vê-se um dia por Aí”.
(Sérgio Almeida)

TÍTULO: Como se desenha uma casa
AUTOR: Manuel António Pina
EDITOR: Assírio & Alvim
PREÇO: 10 euros

Retirada daqui