terça-feira, 10 de janeiro de 2012

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS

O famoso norte-americano Milton Friedman alertou-nos, há muito tempo, para uma daquelas evidências que, fazendo parte do nosso quotidiano, nele se entranham até nos esquecermos que existem.

"Não há almoços grátis", lembrou-nos o Prémio Nobel da Economia.

Quer dizer: nada é de graça neste mundo. E se é de graça, não o é por muito tempo. No nosso burgo, exemplos há-os para todos os gostos: as (ex)scut, o acesso tendencialmente gratuito aos cuidados de saúde e à educação, as férias e os carros a preços de saldo, etc, etc, etc. Tudo parecia poder eternizar-se à borla. Era mentira. Milton estava carregado de razão.

Estava Milton e está Cavaco Silva (este último sem surpresa, uma vez que nunca tem dúvidas e raramente se engana). Na entediante palestra de fim-de-ano dirigida aos portugueses, o chefe de Estado lá recordou, do alto da sua reconhecida sapiência, que já há dois anos avisara para o caminho "explosivo" que o país seguia. O tempo deu-lhe razão: hoje, a situação de Portugal é, de facto, "explosiva". O presidente não quis dizer outra coisa senão isto: "Não há almoços grátis".

Os proprietários dos restaurantes sabem-no agora melhor do que nunca. Não sendo ainda líquido o efeito contabilístico que a subida do IVA provocará no negócio, uma coisa é certa: a margem de manobra (isto é, o lucro) vai encurtar - e de que forma! Como não há almoços grátis, ou a restauração acomoda o aumento do imposto e diminui receitas, logo desemprega; ou, em alternativa, aumenta os preços e perde clientela, logo desemprega. Lá para Março, a extensão da tragédia deve ser conhecida.

Esta regra miltoniana de que nada é de graça e tudo se paga, mesmo que no médio ou longo prazo, aplica-se também a quem anda "descuidadamente" na política ou interesseiramente no mundo dos negócios.

Dois exemplos recentes.

Alexandre Soares dos Santos, presidente da Jerónimo Martins, já foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito, por relevantes serviços prestados ao país. Ora, a Jerónimo Martins (tal como 17 das 20 empresas cotadas na Bolsa de Valores portuguesa) acaba de passar a totalidade do capital para uma subsidiária na Holanda, de modo a minimizar o peso dos impostos nas contas da empresa. A conta deste "almoço" saiu carinha...

No Parlamento, a encruzilhada habitual entre políticos e maçonaria teve a seguinte consequência: um documento sobre as "secretas" tem duas versões, uma boazinha, outra mazinha. Lá está: a influência dos maçons no processo de decisão também tem um preço. Quer dizer: não é grátis.

Há mesmo quem diga que, no final de contas, todos temos um preço. Não há evidência científica que prove tal coisa. Sabemos apenas que a carne é fraca e que há quem goste muito de almoços grátis - são, habitualmente, os que se sentam e levantam da mesa a sorrir, sem saber que, mais tarde, a conta lhes será colocada à frente. Num país em crise, estas facturas costumam engordar bastante.

Paulo Ferreira, aqui