O psiquiatra Eurico Figueiredo, oposicionista ao fascismo e co-autor da obra "Pátria Utópica", afirmou ontem que Portugal "já não vive em democracia", mas acredita que os jovens serão capazes de construir novas utopias.
"Estamos a precisar de dar uma volta a isto tudo", declarou, ao participar ontem em Coimbra no lançamento daquela obra que relata o seu percurso e dos companheiros Ana Benavente, António Barreto, José Medeiros Ferreira e Valentim Alexandre, todos eles exilados em Genebra.
O psiquiatra, que depois de regressar a Portugal desenvolveu militância ativa no PS, justificava a sua opinião com "o controlo que os partidos fazem sobre a atividade política", nomeadamente na escolha dos presidentes de câmara, ou nos deputados.
"Talvez uma oligarquia", frisou, manifestando, contudo, esperança, que "o quadro democrático ainda existente" em Portugal possa vir a afastar esse regime, caracterizado por um controlo da atividade política por um reduzido número de cidadãos.
Eurico Figueiredo recordara a sua juventude, para dizer, tal como António Barreto, que se vive melhor, quer em desenvolvimento económico, quer em termos de liberdades individuais.
Momentos antes, aquele sociólogo manifestara-se surpreendido por perguntas que cidadãos e jornalistas lhe foram fazendo, no âmbito do lançamento público de "Pátria Utópica - O Grupo de Genebra revisitado", sobre se hoje se vive melhor ou pior do que antigamente.
"Há muita coisa má em Portugal. Os jovens têm mais liberdade, mas menos escolhas e menos esperança. As velhas 'cunhas' voltaram à sociedade. Mas é inimaginável que se possa pensar que hoje seja pior", sublinhou António Barreto.
Ana Benavente, por seu turno, recordou que o que desencadeou a sua revolta, e a levou a exilar-se em Genebra, foi o texto "Carta a uma jovem portuguesa", publicado em 1961 no jornal Via Latina, periódico da Associação Académica de Coimbra.
"Pátria Utópica - O Grupo de Genebra revisitado", lançado em Coimbra na ausência de dois dos autores, Medeiros Ferreira e Valentim Alexandre, por razões de saúde, teve como apresentadores a jurista Eliana Gersão e o professor universitário Abílio Hernandez Cardoso.
Eliana Gersão salientou que no percurso inscrito no livro daqueles cinco lutadores pela liberdade sobressai "a fidelidade a uma certa forma de estar no mundo", cientes de que fizeram o que deviam ter feito "e por isso pagaram o preço".
Abílio Hernandez, que vê na obra um ponto de partida para a investigação científica em torno da emigração por razões políticas e da fase final do Estado Novo, destacou nesse grupo o facto de na sociedade de acolhimento, na Suíça, além de aprofundarem a luta política, valorizaram-se profissionalmente.
"Pátria Utópica - O Grupo de Genebra revisitado" surge numa altura em que se comemora o 50.º aniversário da Crise Académica de 1962, que agitou as três universidades, onde se integravam os autores.
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