sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE

«O PÃO, a paz, saúde, habitação…» cantavam as Vozes na Luta no tempo em que, em Portugal, a cantiga era uma arma.

Este refrão tem-me matraqueado os ouvidos nos últimos dias, ao ritmo que as medidas de austeridade preconizadas pelo Governo vão sendo trocadas por miúdos, chamadas pelos seus nomes próprios e pelos números reais.

Fome, despejos, fim do Serviço Nacional de Saúde e, na melhor das hipóteses, conflitualidade social, são os verdadeiros nomes das tais medidas que nos darão respeitabilidade perante os nossos credores. Sejam eles Estados-Membros da UE ou instituições que vivem da usura, sob a capa de legalidade que todos nós lhes damos.

Ninguém nos emprestou dinheiro: venderam-nos dinheiro acima do preço do mercado.

Nós, famintos, não demos só os anéis – vamos dando também os dedos, um a um, e depois os membros, até chegarmos aos órgãos nobres.

O GOVERNO que nós elegemos aconselha os mais jovens de nós e os mais equipados técnica e cientificamente a emigrarem, para que os Estados que nos exploram até à exaustão não fiquem apenas com a carne, mas levem também o sangue e a alma deste povo, embriagado e dormente de contravalores. Embriagado e dormente pelo mundo do ‘ter’, pelas marcas, pelo ‘carro do ano’ e pela falta de ética no consumo.

Vivendo para consumir, sem se dar conta de que, numa sociedade saudável, se consome para viver.

Este Governo, como qualquer outro do tradicional ‘eixo da governação’, não quis ou já não teve liberdade para poder identificar as causas que, para além da tão falada crise internacional, nos colocaram nesta situação.

Alguns avisaram, lançaram pedradas no charco, fizeram subir very lights – mas nós não quisemos nem ver, nem ouvir, nem ler.

Assisti a um debate sobre uma dessas causas, senão a primeira causa do estado a que isto chegou – a corrupção.

Eram protagonistas Medina Carreira, militante permanente das causas da transparência e da decência do governo da coisa pública, e Paulo Morais, ex-vice-presidente da Câmara do Porto e actual vice-presidente da Associação Transparência Internacional. Foi moderadora Judite de Sousa.

Lamentavelmente o debate teve lugar em canal por cabo. Por esse facto – e por considerar que devia ser transmitido em várias horas nobres em canais de serviço público – tomo a liberdade de o citar com o rigor que a memória me permite.

Segundo os intervenientes, a Assembleia da República é o centro da corrupção em Portugal. É aí que são aprovadas as leis, feitas quase todas nos escritórios dos grandes advogados, quase todos de Lisboa.

Ao elaborá-las, estes criam logo as janelas por onde as entidades suas clientes hão-de sair, no caso remoto de os seus esquemas serem descobertos.

Os deputados são eleitos pelo povo, mas estão ao serviço de quem financiou a sua eleição: as sociedades anónimas, que nestas coisas o anonimato é sempre útil, e outras grandes empresas, que lhes asseguram lugares de recuo dourados nos seus conselhos de administração, quando estiverem cansados da política ou a política estiver cansada deles. Deram vários exemplos.

O fenómeno repete-se a nível autárquico.

Um qualquer vereador de uma qualquer Câmara pode cumprir o seu dever de lealdade para com os patrocinadores do partido que o elegeu transformando, com um simples despacho, um terreno rural em espaço urbanizável. Multiplicando, assim, por milhares ou milhões de euros o seu valor real, e transformando-o em pasto dos predadores urbanísticos.

Outra das causas do estado em que o país se encontra (e o país é muito mais que o Estado) é a inoperância da Justiça em Portugal. A identificação desta causa é já da minha exclusiva responsabilidade.

É preciso ser heroína ou herói no sistema judicial português para conseguir levar por diante qualquer grande processo de corrupção.

É preciso estar disposto a defrontar o bloqueio da carreira, a devassa da vida privada ou mesmo a difamação para fazer cumprir a lei, quando ela deve actuar sobre os Senhores do Poder ou os Senhores do Dinheiro.

Ou, pelo contrário, não permitir que mantos de legalidade cubram negócios sórdidos – cujas dívidas, quando o processo corre mal, são apresentadas aos cidadãos como dívidas colectivas.

Estamos condenados a juntarmo-nos para dizer ‘Basta!’.

Catalina Pestana, aqui