sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

AUTÁRQUICAS 2013, CONFUSÕES À VISTA

Nunca se percebeu exactamente o porquê da lei. Uns afirmam que é para renovar a classe política autárquica. Outros garantem que visa limitar a corrupção e o clientelismo.

Em 2005 foi decido criar uma lei para limitar os mandatos dos presidentes de câmara e dos presidentes de junta, inibindo-os de se candidatarem a um quarto exercício.

A lei, porém, só teve aplicação a partir das autárquicas de 2013, pelo que não impediu que haja, por exemplo, presidentes de câmara em funções desde o início do poder local, ou seja, desde 1976. Conhecidos por “dinossauros”, pontificam neste lote Jaime Soares e Mesquita Machado.

À boa maneira portuguesa, nunca se percebeu exactamente o porquê da lei. Uns afirmam que é para renovar a classe política autárquica. Outros garantem que visa limitar a corrupção, o clientelismo e a perpetuação no poder.

Se for para renovar, vá que não vá, até pode ser bonito, mas tinha de apanhar outras funções, como a de deputado, por exemplo. Se for para evitar a corrupção, é contraditória e mais não faz que lançar uma espécie de anátema sobre determinados responsáveis políticos, ao jeito das fatwas islâmicas.

Porquê então a limitação destes autarcas e permitir que haja deputados sucessivamente reeleitos (alguns desde o marcelismo) e que podem perfeitamente estar ao serviço de interesses mais ou menos claros ? E os membros do governo que passaram anos e anos a gerir sectores fundamentais do país?

O facto de os presidentes de câmara e de junta (os outros autarcas não executivos não estão em causa) terem funções executivas não colhe: pela simples razão de que hoje os interesses estão até mais ligados à elaboração dos quadros legislativos que às funções executivas, que são substancialmente escrutinadas por todo um conjunto de mecanismos inspectivos.

Quer dizer-se com isto que não há corrupção ao nível autárquico? A resposta é não. Existe seguramente. Mas atribuir-lhe importância ao ponto de se criar uma lei que estigmatiza os autarcas e não outros é um exagero.

A prova de que a lei de 2005 tem por base uma avaliação negativa dos autarcas está ainda no facto de se estar a generalizar a ideia de que a limitação os impede também de se candidatarem a outras autarquias, nomeadamente vizinhas. Se assim for entendido, então já não é só um anátema, mas uma suspeita generalizada e limitadora de direitos. Afinal qual é o mal de um presidente de Lisboa concorrer a Sintra ao fim de três mandatos? E o de Campo Maior tentar conquistar Elvas?

Os italianos têm uma expressão seguramente com equivalência no nosso idioma. Diz ela que “quando se faz a lei faz-se a malícia”. É um caso típico. Não vão faltar polémicas, interpretações, pareceres, constitucionalistas mais restritivos, outros mais abertos sobre essas possíveis transferências. O Tribunal Constitucional vai, porventura, ter de se debruçar sobre o assunto.

Pode haver um vendaval político com consequências graves no interior da coligação de governo e nos partidos todos, já que, tirando o Bloco, que só tem uma câmara, PSD, PS e PC contam com sólida implantação local. Consequência directa da saída de alguns autarcas por impossibilidade legal: vai assistir-se a uma luta por cadeiras noutras áreas. Não querendo já colocar a nomeação de Manuel Frexes (impossibilitado de se recandidatar) nesse patamar, haverá muito cargo em organismos do Estado, ou por ele tutelados, que se tornarão ainda mais tentadores. Curiosamente, os grupos económicos com relação directa com o Estado e as obras públicas verão alargadas as opções, quiçá até obtendo uma relação custo/benefício mais interessante.

Esta questão deve ser tratada de forma muito séria. Não se pode lançar suspeitas só sobre uns titulares de cargos públicos e ignorar outros. Além disso, as autarquias são um suporte fundamental da população e, se descermos ao nível das freguesias, estamos na presença de uma verdadeira rede capilar de assistência e de proximidade, só comparável com a da Igreja Católica. Finalmente, o voto é o julgamento supremo do trabalho autárquica. Só a justiça o pode invalidar. Suspeitas generalizadas, não obrigado.

Nota – Nada contra a composição do conselho geral da EDP. Apenas um reparo. Na verdade, falta lá um electricista. Daqueles que resolvem o que a companhia não trata, embora não passem recibo.

Eduardo Oliveira Silva, aqui