Entre os insondáveis caprichos dos "mercados" e os dogmas económicos de Berlim, alienamos a democracia com políticas que não houve a coragem de explicar aos eleitores portugueses ou espanhóis, idênticas às que são impostas a gregos e italianos que nem tiveram ainda a oportunidade de as sufragar.
Todo o peso dos erros da política económica da União Europeia praticada ao longo das últimas décadas recai agora sobre as economias mais frágeis e que dela menos beneficiaram.
Contudo, a austeridade é apresentada como um caminho de sentido único, uma penitência que não carece de justificação e da qual brotará por magia, talvez, um crescimento económico que há muito se vem revelando distante e esquivo. À imitação da "Divina comédia", de Dante Alighieri, estes governantes proclamam, apontando-nos a porta do inferno: - "Oh vós que entrais, perdei toda a esperança".
Porém, o colapso da moeda europeia é um perigo real e iminente. Os bancos centrais da Inglaterra, Japão, Canadá, Suíça, a Reserva Federal Americana e o Banco Central Europeu acertaram na passada quarta-feira o reforço de medidas para aliviar as crescentes dificuldades de financiamento que ameaçam a economia mundial, sob a pressão da crise do euro. Na prática, visa-se facilitar de imediato a cedência de dólares aos bancos europeus confrontados com sérios problemas de liquidez artificialmente criados pelo "nosso" banco central que, paradoxalmente, ao contrário dos outros, nem emite moeda nem garante os créditos. A reacção dos "mercados", momentaneamente, foi positiva, mas todos sabem que isso não vai travar o agravamento da crise que ameaça desencadear uma recessão económica à escala mundial. Fora da união monetária, dos Estados Unidos à China e à Inglaterra, governos e empresas já preparam as medidas a tomar para se acautelarem dos efeitos económicos devastadores decorrentes de uma eventual desintegração do euro.
Enquanto as propostas alemãs de reforma da União são anunciadas pelo Governo da Alemanha no seu parlamento nacional - o "Bundestag" - os novos "tecnocratas" que governam Portugal, Espanha, Grécia e Itália, recém-eleitos ou designados "administrativamente" no quadro compulsivo das actuais políticas de austeridade, logo se apressam a telefonar para Berlim a prometer simpatia, zelo e fidelidade. Talvez Angela Merkel pudesse ficar comovida com a vigorosa defesa da independência do Banco Central Europeu feita pelo primeiro-ministro português na noite em que aprovou o Orçamento do Estado. Com igual desvelo, já Passos Coelho tinha criticado anteriormente as proposta de emissão de obrigações pelo Banco Central Europeu - os "eurobonds" - em sintonia com as doutrinas germânicas mas em contradição com o presidente da Comissão Europeia, seu compatriota e correligionário. Também o novo primeiro-ministro grego, recrutado à pressa de entre a burocracia de Bruxelas, veio louvar a "união de estabilidade" recém-anunciada por Berlim. Compreende-se que na urgência do momento, a reforma da governação económica assuma natureza prioritária e nem se pode dizer que a Alemanha não se tenha explicado com grande clareza. No essencial, propõe que sejam expulsos da união monetária, através de mecanismos automáticos, os estados que não consigam satisfazer os requisitos financeiros e contabilísticos previamente definidos, ao cabo de um prazo predeterminado... Quem adivinha os nomes dos primeiros candidatos?
Aparentemente, em Portugal não existem "planos de contingência" para a hipótese da falência do euro. É natural que as multinacionais, as empresas exportadoras e os titulares de depósitos em contas além-fronteiras não estejam preocupados com tal cenário. Mas quem tem razões para séria preocupação é a esmagadora maioria dos cidadãos que trabalham em Portugal, aqui auferem as suas remunerações e aqui depositaram as suas poupanças que ninguém sabe o que valerão na nova moeda que, eventualmente, venha substituir o euro... Mas o Governo só tem olhos para o memorando com a troika e até já promete mais medidas de austeridade, caso a austeridade decretada não venha a dar os efeitos pretendidos.
Pedro Bacelar de Vaconcelos, aqui