Já o disse e repito: não encontro incoerências no plano do ministro das Finanças para atacar o défice das contas públicas e torná-lo aceitável à luz da credibilidade que os nossos credores exigem para continuarem a emprestar-nos dinheiro e ainda do renovado rigor que a União Europeia vai colocar no controlo dos orçamentos nacionais e com data aprazada para o Conselho Europeu da próxima semana, sob pena de o euro não resistir.
Ninguém que queira manter Portugal no euro pode rejeitar a necessidade de um plano de austeridade para colocar as contas públicas minimamente em ordem e as divergências aceitáveis prendem-se com a equidade dos sacrifícios.
Porém, a abrangência desta compreensão pelos sacrifícios não durará muito se não nos for revelado o lugar e o tempo em que chegaremos àquele ponto virtuoso em que o empobrecimento em curso se transformará em retoma financeira, económica e social.
Esta é a mãe de todas as questões que o primeiro-ministro vai ter de enfrentar num registo mais concreto que o sério mas dubitativo com que tem modulado as suas intervenções e entrevistas. Embora compreenda que não é certamente por tacticismo que Passos Coelho não tem sido assertivo sobre esse ponto virtuoso. Na verdade, nunca como hoje em dia as finanças e a economia portuguesas dependeram tanto das soluções que o Conselho Europeu encontre para estancar a crise das dívidas soberanas e preservar a moeda comum.
Se na próxima semana for decidido dar um governo económico ao euro, refundando o Tratado de Lisboa e dotando o Banco Central Europeu de novas capacidades para emprestar dinheiro aos seus associados, Passos Coelho poderá estar em condições de nos revelar o lugar e o tempo do tal ponto virtuoso do nosso empobrecimento.
Caso contrário, podemos, todos, contar com o agravamento das lutas sociais e políticas. E não faltarão razões. Se não, vejamos um exemplo: a subida do IVA até aos 23% na restauração, com 21 mil falências estimadas pelo sector, apenas fará algum sentido se no final da linha de sacrifícios sobrar alguma da produção agro-alimentar nacional e alguma classe média para a consumir.
Mesmo que o Conselho Europeu da próxima semana dê todas e as melhores respostas à crise do euro e das dívidas soberanas, há um trabalho que ninguém fará por nós, sob pena de no final dos sacrifícios não termos massa crítica para voltarmos à normalidade da democracia de consumo. Se houver ponto virtuoso do empobrecimento, ainda vai ser necessário que Portugal tenha preservado boa parte do seu mercado interno e da sua classe média. Para não sermos pobres para sempre...
Manuel Tavares, aqui