terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O DÉFICE ESTRUTURAL DA OPOSIÇÃO

Desde que Portugal passou a ser governado do exterior, a oposição interna ao estado-maior de São Bento vive dias dramáticos.

Impressionantemente, as sondagens continuam a mostrar que o povo português interiorizou a necessidade de cumprir o programa da troika e, na sua maioria, está disposto a conformar-se com um destino que considera nascer da mais pura inevitabilidade.

O PS, comprometido com o programa da troika, está sem margem de actuação.

A oposição socialista ao governo esbarra com a realidade crua: Seguro vai dar o seu ámen ao défice estrutural de 0,5% exigido por Merkel aos parceiros europeus, um número inatingível. Embrulhado com o compromisso europeu do PS, Seguro tem as mãos atadas. Resta-lhe bater o pé para que o número impossível não fique na Constituição – mas aceita que esse número impossível (nunca foi cumprido por Portugal) acabe por ir parar a uma lei qualquer de valor reforçado.

Seguro não dispõe da margem negocial dos socialistas franceses, que ontem anunciaram ir impedir Sarkozy de aprovar as conclusões da cimeira de Bruxelas – e, sem os socialistas franceses, a França fica impedida de assinar o pacto de Merkel, uma vez que um compromisso daqueles, para entrar em vigor, precisa de 3/5 da Assembleia Nacional de França. Ao que tudo indica, entre as hesitações sobre o avanço do referendo na Irlanda e o não rotundo dos socialistas franceses, o famoso acordo da cimeira já ficou em águas de bacalhau.

No meio da tormenta nacional e europeia, o Bloco de Esquerda – o partido-movimento que tinha nascido para reconciliar a esquerda que votava à esquerda do PS que não se revia no velho PCP – vive dias espantosos. A oposição interna organizada (a corrente Ruptura FER, de Gil Garcia) acabou por sair em conjunto do partido, ameaçando avançar para a formação de outro. Gil Garcia era a única oposição audível dentro do BE – o resto da oposição interna existe de facto, mas está dentro da direcção e discute discretamente em petit comité.

O que é fantástico no caso Gil Garcia é a resposta que a comissão política do Bloco deu à dissenção. Digamos que o PCP não fez pior no caso dos críticos dos anos 90. A Comissão Política do Bloco recuperou uma velha expressão do jargão trotskista desconhecida provavelmente da maioria dos eleitores do partido – “entrismo” – para designar a acção dessa minoria, revelando em si um divórcio absoluto com o eleitorado que fez o Bloco crescer e não era seguramente especialista em Trotsky.

PCP e BE agora rivalizam no seu pior: opacidade e fanatismo. As mortes do PCP já foram muitas vezes anunciadas e não se confirmaram. Vamos ver se a morte do BE também resiste às previsões.

Ana Sá Lopes, aqui