Nos balanços de vida, tomamos em geral os factos mais relevantes e assumimos que o tempo entre eles existe apenas para inserir espaço que lhes permita brilhar em simultâneo.
Nessa perspectiva, a vida será a soma simples de dias muito bons com outros muito maus. Mas os demais também fazem, todos eles, a nossa vida. Aliás, serão estes até mais significativos dela que os extremos que atingimos apenas em raros momentos.
A vida é como o mar, inconstante e infiel, com bens e males infindáveis, mas de todos os tamanhos, sendo na maioria pequenos, simples e quase insignificantes.
Da vida fazem também parte as longas e monótonas calmarias, quando as exigências mais comuns ganham peso maior, por os nossos ombros perderem força. Nesses muitos dias, como no mar, a água e os alimentos começam a escassear ao mesmo tempo que vão perdendo o gosto... Tudo é só cansaço, tudo sempre os mesmos pensamentos, tudo tédio. Vivemos ainda, mas é um lamento viver. Esperamos que novos sonhos nos salvem da pena deste estado dormente, mas nem sonhos temos senão crus, fracos e inúteis.
Mas há sempre um vento, um sol ou uma onda que deixamos que nos toquem, que aceitamos como um presente da vida e que mudam o valor, a cor e a substância de tudo.
De súbito sentimo-nos vivos de novo, reanimados por um choque de alegria inexplicável. Uma vida. Um toque subtil que nos desperta e nos lembra que a vida é muito curta e os barcos também naufragam no cais.
José Luís Nunes Martins, aqui