A história tinha todos os ingredientes para ganhar dimensão mítica e ajudar a revolta.
Na Síria, um homem chamado Muhamad al-Hosni manifestou-se contra o governo.
Preso, torturado e morto, tornou-se mais uma de muitas vítimas. Mas quando a sua mãe foi à morgue identificar o corpo, esperava-a uma surpresa macabra: o cadáver de outro dos seus filhos, Zainab al-Hosni, uma jovem de dezoito anos.
Decapitada e desmembrada, Zainab teria sido apanhada por causa do irmão. Inicialmente seria uma tentativa de o obrigar a entregar-se, mas algo ficara fora de controle. O caso era suficientemente impressionante - e verosímil - para a Amnistia Internacional o ter ajudado a publicitar. A bela Zainab depressa ganhou uma alcunha: flor da Síria.
Acontece que a flor não murchara. Apenas se escondera temporariamente. Há dias, Zainab - ao que parece, foi ela - deu uma entrevista na televisão oficial. De cabelo coberto mas cara à mostra, explicou que fugira de casa há dois meses para escapar à brutalidade dos seus irmãos. Agora mostrou-se porque quer ter uma vida normal. "Tenho planos para me casar no futuro, e quero que os meus filhos sejam registados".
Uma armadilha do governo?
A reviravolta foi logo aproveitada pelo regime, que uma vez mais acusou os media ocidentais de espalharem mentiras. E houve logo quem suspeitasse que todo o caso foi concebido por Damasco como uma armadilha, justamente para embaraçar quem critica a repressão violenta das manifestações.
Pela sua parte, a Amnistia Internacional disse que a história original lhe fora fornecida por fontes alegadamente próximas do incidente. "Se o corpo não era o de Zainab al-Hosni, então claramente as autoridades sírias têm de reveler de quem se trata, as causas e circunstâncias da morte, e por que motivo a família de Zainab al-Hosni foi informada de que era ela a vítima".
Numa guerra que também é de propaganda, mas que já terá feito pelo menos uns três mil mortos, é mais um elemento de confusão a juntar ao drama. E o governo, para já, parece estar em vantagem. Uma resolução condenatória foi vetada pela Rússia e a China no conselho de segurança da ONU.
Luís M. Faria, aqui