quinta-feira, 15 de setembro de 2011

UMA VERDADE COM SEIS VERDADES

Um filho mal comportado levou uma mãe nervosa à escola. O fim não foi o previsível: seis pessoas foram testemunhar em tribunal e dez - a contar com a cronista - terminaram com uma enorme dor de cabeça.

Ter um filho desobediente, já se sabe, pode causar muitas dores de cabeça. O pior é quando a indisciplina leva uma mãe à escola, a ouvir o que não queria, a dizer o que não deve e, acto contínuo, alguém se sente ofendido, apresenta queixa e lá vão seis pessoas em excursão para o tribunal.

Pior que o incómodo causado às testemunhas será, a esta hora, a dor de cabeça que esmaga o crânio da juíza. Confessamos: vamos aprendendo umas coisas nas visitas à Pequena Instância, mas desta vez não saberíamos o que fazer se estivéssemos no lugar dela.

Então não é que vão seis pessoas testemunhar em tribunal sobre um incidente numa escola e nenhuma versão bate com outra? Ufa...

A mãe, Sílvia, recebeu uma chamada da directora de turma do filho, depois de uma desavença entre colegas que obrigou a professora de História a expulsá-lo da sala de aula. A mãe confessa que é uma mulher nervosa, sobretudo no que respeita a questões que envolvam o filho - que costumava ser um rapaz atinado - e por isso exaltou-se um bocadinho ao telefone. Bom, ela diz que foi um bocadinho. A directora de turma diz que se exaltou a ponto de a ameaçar.

Sobre um dado não resta dúvidas: a mãe foi à escola e falou com o filho logo junto ao portão. Ao que parece não controlou o volume e a directora de turma, que estava à porta, terá ouvido o teor da conversa. Mãe e filho seguiram para dentro e a directora de turma terá saído disparada a perguntar à mãe, Sílvia, quem era ela para dizer que ela, a própria, a directora de turma, "tinha cara de maluca e de drogada". O alarido foi tal que a Escola Segura chegou e foi apresentada uma queixa.

A mãe, Sílvia, chega assim ao tribunal, acusada de proferir ameaças e injúrias. Além disso, a directora de turma fez um pedido de indemnização pelos danos sofridos.

Palavra à arguida:

"Estava um bocadinho exaltada, mas a única coisa que disse ao meu filho foi que não gostava dela, que eram só problemas desde que ela era directora de turma. Depois fomos para a secretaria e a professora sai de lá a dizer que eu lhe tinha chamado maluca e drogada, mas eu não disse isso."

Agora é a vez de a ofendida, a directora de turma de cabelo curto, louro platinado, apresentar a sua versão:

"Porque é que apresentou esta queixa?", pergunta a juíza.

"Quero aqui esclarecer que da minha pessoa não houve queixa."

"Então quer desistir?"

"Não, eu ser ofendida assim na minha vida nem pensar."

"Conte o que aconteceu."

"Logo ao telefone esta senhora disse--me que eu era mentirosa e que ia lá para termos uma conversinha. Quando a vi junto ao portão ela já estava a dizer: ''Parto aquela figurinha.'' E o filho a dizer: ''Ó mãe, não é esta. É a professora de História." Depois, lá dentro, continuou a dizer: ''Não gosto de ti, tens mesmo cara de maluca e de drogada.''"

E o companheiro da arguida, cá atrás, está em ânsias, a ponto de perguntar à cronista se pode pôr o dedo no ar e falar. Dizemos que não, mas ele ainda assim vai tentar, sem êxito.

A advogada de defesa tem perguntas a fazer à ofendida:

"O que a arguida disse junto ao portão dirigia-se à professora de História e não a si."

"Naa, a senhora teve oportunidade de ameaçar a professora de História e ameaçou-me foi a mim."

O interrogatório continua até a ofendida, com o nariz levantado como se segurasse uma bola na ponta, começar a dizer que se está a sentir coagida, e que é ela a lesada, não se transforme agora a mãe na ofendida.

Depois é todo um corrupio de testemunhas e já ninguém se entende: a contínua que diz que ouviu o telefonema exaltado e viu a mãe furiosa, mas não ouviu a parte do maluca e da drogada; o porteiro que para dizer que não ouviu nada mais valia ter ficado em casa; a vizinha da arguida que estava junto ao portão e só a ouviu dizer que não gostava da professora; e, por fim, o filho, que dirá que a mãe estava um bocadinho nervosa e disse que não gostava da professora, mas nunca, nunca mesmo, disse que ela tinha cara de maluca e de drogada.

Socorro, tirem-nos daqui! A juíza já suspira e massaja as têmporas.

A advogada de defesa pede a absolvição da arguida. E o procurador assume que "a prova produzida é frágil", já que as expressões "drogada" e "maluca" não foram reproduzidas por nenhuma testemunha de acusação além da ofendida. "Dizer ''não gosto de ti'' pode ser pouco educado, mas não representa crime de injúria."

A esta hora estamos perdidos e já não sabemos em quem acreditar. Na mãe alterada ou na directora de turma empertigada? A juíza está na mesma e anuncia que vai precisar de tempo para decidir. À data marcada apostamos que, perante tantas dúvidas, a ré será absolvida. E será, mas só do crime de ameaças. Pelo de injúrias é condenada a pagar 450 euros.

Uma zaragata na escola pode incomodar meio mundo. No meio disto, só se safou a professora de História. Parece que tudo começou porque ela mandou o aluno para a rua, mas foi a única que ficou em casa. Há gente com sorte. Pelo menos ela não vai precisar de um ben-u-ron.

Sílvia Caneco, aqui