“Deus devia proibir os pais de enterrarem os filhos.” Ou o contrário. “Os pais é que devem tomar conta dos filhos. Não é natural os filhos tomarem conta dos pais.” Duas mulheres, mãe e filha. A mãe que perdeu um filho por causa da droga, que viu a filha afundar-se.
A filha dela que quase perdeu o filho que não queria vê-la afundar-se. Uma história de mulheres com homens pelo meio. Ao todo, são 12. Doze viagens ao mundo da droga, que pode ser branca, castanha, em folha, ou o que encaixar no relato.
A jornalista Ana Cristina Pereira chamou-lhes brancas, às viagens, em honra das Noites brancas de Dostoievski, pelo que há de sono/insónia num dia-a-dia de droga. Torna-as claras. Dá humor e densidade a estas histórias reais, numa “viagens branca” a esta mistura de reportagem e literatura. Pictográfica.
Como num filme, corremos a Torre 1 de Aleixo, ou parte da Bela Vista. Sempre com um mote comum: as mulheres são o mote. As que gerem o negócio, como as “Panelas” e as “Cavadoras” do Aleixo. As que se lançam na internacionalização, como a vistosa Zani de Cabo Verde.
As que vivem no meio, longe e em silêncio – “Sem pensar em denunciar, porque num território acossado, um traficante não é um traficante, é o Manuel ou a Maria?”. As que vivem perdidas, como a jovem da fábrica do Pinheiro Torres. No final de tudo, a que conta as outras, essas que enchem um Portugal obscuro, mas real.
(Ivete Carneiro)
VIAGENS BRANCAS
Ana Cristina Pereira
Arcádia
14.95 euros
Retirada daqui