terça-feira, 13 de setembro de 2011

SER E PARECER

A capa do JN de domingo anunciava "Pais obrigados a pagar creche" acrescentando "20 mil vagas criadas pelo Governo não vão ser comparticipadas pelo Estado".

E, assim, aquele título evidencia um princípio fundamental da economia: há sempre alguém a pagar.

Um princípio tão óbvio e evidente quanto esquecido ou incompreendido.

Sem entrar em considerações de justiça e equidade, justamente realçadas no artigo de Paulo Ferreira do mesmo dia, resulta claro que a oferta de mais lugares nas creches teria um custo que, a não ser suportado pelos pais dos utentes, seria remetido para o Estado e pago, PAGO, pelos contribuintes.

Decisões deste tipo são difíceis de tomar por serem claras, por implicarem um aumento de despesas por parte de pessoas concretas que se poderão sentir lesadas por comparação com o tratamento dado a terceiros. Quando esses grupos são poderosos, bem organizados e têm acesso fácil à Comunicação Social, o custo político de decisões como esta pode ser elevado, suficientemente elevado para que quem decide se acobarde, assuma que o Estado paga e remeta o custo para o contribuinte anónimo, no pressuposto de que será mais difícil organizar um protesto colectivo e que o incentivo para o fazer será menor.

Dito de outro modo, as 20 mil famílias afectadas têm um aumento de custo concreto, sensível, visível. Se não estiverem muito dispersas, sem grande custo se organizará um protesto a que acorrerão, pressurosas, no mínimo, as estações de rádio e televisão. Em contrapartida, o custo dessas 20 mil vagas diluído pelos milhões (serão?) de contribuintes passará quase despercebido. E assim, euro a euro, por não se ser capaz de decidir, por não se ser capaz de explicar a decisão, por falta de coragem para enfrentar a contestação, se foi construindo um edifício desproporcionado para a riqueza que criamos.

A situação agrava-se quando quem decide não suporta nenhum custo das consequências da sua decisão. A Administração Pública, com o seu sistema de remunerações fixo, é chão fértil para esse tipo de práticas. Na Saúde, a multiplicação do recurso aos chamados meios complementares de diagnóstico é um bom exemplo disso mesmo, num processo em que o médico cede, muitas das vezes, à chantagem do paciente. Por que não, se para ele não tem custos (terá algum, se pagar impostos) e, assim, evita aborrecimentos pessoais e, eventualmente, judiciais? O mesmo se diga das baixas médicas (finalmente, perante o escândalo das baixas na Polícia, a Ordem parece ter decidido que o que é de mais é moléstia) ou das isenções e reduções no IRS por incapacidades as mais variadas (se as somarmos ao número dos que parecem padecer de doenças psíquicas, percebe-se que alguém nos caracterize como um país de malucos e estropiados - sorte a nossa que as agências de rating ainda não tenham reparado nisso).

Comportamentos oportunistas, em que à falta de coragem de quem decide se somou a ideia, à "chico-esperto", de empurrar para os outros o custo do meu benefício, conjugados com erros de gestão da coisa pública e a proliferação de grupos de pressão corporativos originaram um pretenso Estado Social, desmesurado e desfocado, em que os que dele se servem são mais do que aqueles a quem serve. Não admira que haja quem o considere intocável. Salvá-lo dos seus "defensores" vai dar trabalho.

P.S.1: Para que não restem dúvidas: as creches são um equipamento prioritário, com um papel fundamental na integração social, cujo benefício é, eminentemente, público. Uma decisão alternativa seria, por exemplo, aumentar as propinas do Ensino Superior (fortemente subsidiado e em que o ganho é, sobretudo, para o próprio) para financiar aquele aumento de vagas. Mas as crianças não vêm para a rua gritar...

P.S.2: Colegas estrangeiros que nos visitam dizem que o país mudou muito. Elogiam a obra, as estradas, os equipamentos, os aeroportos (mesmo o de Lisboa) e, até, os comboios. O mesmo que nós dizemos da obra de Jardim na Madeira... Lá como cá?

Alberto Castro, aqui