O meu amor pela língua alemã, berço, dir-se-ia "natural", de pensamento filosófico, e pelos poetas de língua alemã, e pela música "de língua alemã" (pois à linguagem da música talvez não seja indiferente o Ser da própria língua), fazem-me recalcar aspectos mais sombrios da cultura (isto é, da língua) alemã que, como vulcões adormecidos, não raro se manifestam sob a forma de barbárie.
Celan, que perdeu pais, família e amigos nos campos de extermínio (onde ele próprio sofreu durante anos, sujeito a todo o tipo de violências) , optou - mesmo dominando outras línguas, designadamente o yidiche, mas também o romeno, o russo, o francês, o inglês, até o português - por escrever a sua poesia atravessando desesperadamente a "escuridão assassina" da língua dos torcionários e procurando encontrar nela a perdida luz da língua de sua mãe.
É nas vertentes mais obscuras e sinistras da língua alemã que bebe a língua que fala o comissário europeu para a Energia, o alemão (do partido de Merkel) Guenther Oettinger que, em entrevista ao "Bild", propôs um "castigo" para os países com défice excessivo: a colocação das "bandeiras dos países pecadores a meia haste nas fachadas dos edifícios comunitários". "Países pecadores": a religião da usura evoca hoje perigosamente pecados mortais (que só Oettinger parece ter esquecido) da Alemanha pelos quais a sua bandeira haveria que ficar a meia haste durante muitos séculos.
Manuel António Pina, aqui