Paulo Portas sabe que a sua carreira política pode acabar com esta coligação.
Mas já mostrou nestes 15 anos que é um sobrevivente e que os Negócios Estrangeiros podem estar à altura das suas necessidades.
Pedro Passos Coelho, mais tenro nestas lides, faz o que pode, e muitas vezes não deve, para o controlar.
Desconfiança, medo, tensões medianamente controladas. O governo de coligação é um casamento de fachada, em que os protagonistas fingem o que podem em público - mas em privado, genuinamente, não se podem ver e praticam o bullying político nem sempre com a discrição devida.
Primeiro ponto, essencial: os sociais-democratas desconfiam de Paulo Portas, que, politicamente, tem uma experiência muito mais larga que Passos Coelho. Desconfiam e têm medo: todos sabem que Portas não padece da ingenuidade que por vezes atinge o primeiro-ministro e é um sobrevivente. Para conter a força de Portas foram feitas as diligências possíveis, para evitar que o líder do CDS controlasse sozinho o Ministério dos Negócios Estrangeiros: a colocação de Francisco Ribeiro de Menezes, embaixador de carreira, no cargo de chefe de gabinete do primeiro-ministro (com imensa experiência da máquina ministerial, depois de ter dirigido os gabinetes de Jaime Gama e de Luís Amado) foi uma peça nesse damage control. A pasta do MNE é fortíssima por duas razões: genericamente, dá popularidade nas sondagens.
Em tempos de crise, sem ter de lidar com os cortes da despesa nem com os problemas das corporações, como a dos médicos e a dos professores, é provável que dê ainda muito mais popularidade que aquela que é costume. Com a crise do euro, a pasta do MNE passou a ter uma importância desmedida - o risco de Passos Coelho ficar refém de Portas, e das informações de Portas, para gerir os Conselhos Europeus é considerado muito grande no PSD. Também aí a escolha de Ribeiro de Menezes teve um objectivo preventivo, segundo fontes do PSD.
A "vingança" de Passos Coelho contra o seu parceiro de coligação foi avocar uma das grandes tarefas do MNE: a diplomacia económica, que ficou, na orgânica do governo, na dependência do primeiro-ministro. E quem foi Passos Coelho buscar para fazer uma espécie de "programa do governo" na vertente diplomacia económica? Nada mais nada menos que um arqui-inimigo de Paulo Portas - um ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo, que mantém um diferendo com Portas desde os tempos em que este era director de "O Independente" e denunciou a entrega de um subsídio do IFADAP, na altura gerido por Henrique Granadeiro, para jovem agricultor a uma propriedade da família do ministro, o Monte dos Frades. O jovem agricultor era um sobrinho de Braga de Macedo.
O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva nos princípios dos anos 90, o tal que via um oásis quando o país estava em recessão, vingou-se agora na diplomacia económica do facto de Passos Coelho não ter vetado a ida para as Necessidades do seu inimigo. Mas fez tudo o que podia e não podia e foi o último a desistir na tentativa de dissuadir o líder do PSD de aceitar a imposição de Portas de ser ministro dos Negócios Estrangeiros.
O discurso de Paulo Portas na Madeira no fim-de-semana passado perturbou enormemente os sociais-democratas. A "liberdade" com que Portas se atirou a Alberto João Jardim - um "ícone" do PSD, apesar de distante de Passos Coelho - foi lido por alguns sociais-democratas como um sinal do "poder total" com que Portas se sente nesta coligação. Afrontar Jardim ao fim de um mês de governo é obra: no fundo, Paulo Portas, ao denunciar o "despesismo" da Madeira, impôs balizas à negociação do próximo Orçamento do Estado.
Na Madeira, Paulo Portas comparou Jardim com Sócrates: "No país, os socialistas fizeram uma política de endividamento para lá do que era aceitável e aqui, na região da Madeira, os sociais-democratas fizeram uma política de endividamento que é também para lá do aceitável. E para sermos coerentes temos de propor aqui a mudança que também o país como um todo já percebeu. É que não é possível continuar a endividar mais um país ou uma região." Jardim respondeu à sua maneira habitual: disse que não conhecia Portas de lado nenhum. E Marcelo Rebelo de Sousa, um especialista em atirar gasolina para as fogueiras e velho inimigo do líder do CDS/PP, veio logo recordar que Paulo Portas, nos tempos da coligação com Durão Barroso, nunca ousou atirar-se a Alberto João Jardim ou criticar qualquer outro dirigente laranja.
Esta é a pior altura para qualquer partido estar no governo. O CDS enfrenta o mesmo dilema que os Lib-Dems no Reino Unido: associados aos conservadores e às suas políticas de austeridade, correm o risco de desaparecimento nas próximas eleições. Portas, o político no activo cujo instinto de sobrevivência mais se tem revelado nos últimos 15 anos, não quer que o CDS volte a ser o "partido do táxi", lugar onde ficou colocado a partir de 1987, depois de Cavaco Silva ter aglutinado toda a direita com as suas maiorias absolutas.
Se Paulo Portas tivesse conseguido um resultado eleitoral mais forte, poderia ter capacidade negocial maior dentro da coligação. Mas isso não aconteceu - trata-se agora de gerir o dia--a-dia sabendo que na guerra e na política (e às vezes no amor) ou se mata ou se morre. A coligação governamental pode durar um ano ou três anos. Mas no fim entre Passos Coelho e Paulo Portas só sobrará um. E se Paulo Portas já percebeu isto há muito tempo, Passos Coelho está a começar a perceber.
Ana Sá Lopes, aqui