Não gosto de falar em nome de ninguém , falar em meu nome já é plural e problemático que baste.
E suspeito daqueles que, como os políticos (ou os poetas que levam a sério aquela de que são a "voz da tribo"; prefiro as "antenas" de Pound, já que uma antena é passiva, recebe em vez de interpretar), falam em nome dos outros.
A primeira pessoa do plural é assustadora. Nos cartazes e palavras de ordem das manifestações ("Nós isto", Nós aquilo", "Nós exigimos", "Nós reclamamos") há sempre a voz de alguém que se cala ou que exige e reclama alguma coisa um pouco diferente. Que quererá dizer um poeta respeitável como Pedro Homem de Mello com um título como "Nós portugueses somos castos?".
Na sexta-feira recebi uma simpática carta de uma leitora destas crónicas nomeando-me, com a melhor e mais generosa das intenções, porta-voz não sei de quê. Fiquei em pânico: andar-me-ei eu a portar por aqui como, coisa que detestaria, porta-voz seja do que for?
Fez o acaso objectivo com que, no dia seguinte, um amigo me tenha referido a afirmação de Baudelaire num dos prefácios às suas traduções de Poe: na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão faltam dois direitos individuais fundamentais, o de se contradizer e o de se ir embora (de um lugar como de uma convicção, digo eu).
Contradizer-se é, diz Álvaro de Campos em "Aviso por causa da moral", uma maneira de ter razão. Vedada a porta-vozes, por razoáveis que sejam..
Manuel António Pina, aqui