Por causa de um arrazoado de autoria desconhecida, a câmara municipal foi notificada pelo ministério público para se pronunciar sobre a eventual pretensão em formalizar queixa contra o autor destas linhas, pela sua intervenção na reunião em que foi deliberada a proposta de atribuição pela autarquia dos apoios às camadas de formação dos clubes desportivos do concelho, proposta esta que mereceu o meu voto contra devidamente fundamentado.
Por estar legalmente impedido, o assunto foi longamente discutido sem a minha presença, tendo o executivo deliberado por maioria rejeitar a pretensão de formalização da dita queixa, assim prestando um mau serviço aos munícipes, mais ou menos atentos, e ao próprio concelho.
E isto porque no presente mandato a discussão das propostas de atribuição pela autarquia de subsídios aos clubes desportivos concelhios tem sido polémica, sendo várias as questões suscitadas, desde a falta de quórum deliberativo, à inexistência de contratos programa de desenvolvimento desportivo, culminando com a alusão à falsidade de declarações com vista à majoração dos subsídios, acolhidas sem prévio controle através de documento idóneo em prejuízo do município: argumentos fortes, sem dúvida e que, a serem infundados, constituem verdadeira ofensa à credibilidade, prestígio, e confiança devidos ao município, e ao bom nome e dignidade dos responsáveis desportivos concelhios.
E por isso, ao ser colocada perante a possibilidade de tirar a limpo todas estas dúvidas e reservas suscitadas, o que se esperava é que a maioria do executivo municipal optasse por acolher essa oportunidade criada por um munícipe tão atento como anónimo, para evitar que a dúvida permaneça no ar, envolta numa indesejável nebulosa; em vez disso, optou por se furtar ao esclarecimento dos factos em local próprio e independente, uma decisão tanto mais incompreensível pela ampla ressonância concelhia que a envolve.
Não é, aliás, necessário mais do que consultar uma única página (31) da última edição do JB, para se aquilatar da excentricidade dessa fuga em frente a que a maioria do executivo se predispôs. E o que aí se lê, é um responsável associativo a referir que na última época desportiva a câmara municipal atribuiu ao seu clube uma determinada verba quando, por dever de ofício, este vereador municipal bem sabe que desde Junho de 2010 os apoios e subsídios da autarquia a esse clube atingiram um valor bem superior, que só não é público porque em relação ao subsídio atribuído em 30 de Setembro de 2010 a respectiva acta omite quer o valor quer a finalidade do apoio.
Mais adiante o mesmo dirigente refere estar ainda a aguardar o pagamento «por parte da câmara municipal», de um subsidio atribuído para a organização de um torneio infantil, lendo-se na parte inferior da mesma página do JB a garantia do presidente da câmara relativamente ao pagamento desse valor «assim como todas as verbas atribuídas ao clube».
Para completar este exemplo de equidade e transparência, refere-se a situação de outro clube desportivo, ao qual a autarquia atribuiu um apoio por atleta (do concelho) das camadas jovens inferior a metade do que foi pago ao clube do dirigente / vereador, um erro que suscitei na devida altura mas que apenas mereceu a indiferença dos ‘donos da bola do poder’.
Os munícipes, mesmo os mais desatentos, que vão acompanhando este e outros folhetins do género, nem sequer precisam de atravessar o Saara sem chapéu, ao início da tarde, para concluírem que há por aí quem passe por artista, fazendo crer que a política de atribuição de apoios às colectividades é uma obra-prima, quando afinal nem sequer chega aos calcanhares da anafadíssima prima do mestre-de-obras.
Reflectindo sobre esta e outras situações análogas, importa perceber o seguinte: na sua vivência e convivência com os seus pares, cabe ao homem pensar e decidir como deve agir no quotidiano perante os outros e a sociedade em que está inserido, sendo a ética tão indissociável desse pensamento como a transparência o deve ser dessa decisão. Porque só assim se mantém válida a razão para se lutar por um mundo melhor, e por um país, um concelho ou um clube desportivo cada vez maior.
E porque assim é, a quem se presta a estes papéis só resta acrescentar na respectiva folha de serviço a ‘heróica’ missão de apanhar os cacos da frágil política de atribuição de apoios às colectividades, que tem sido apresentada aos dirigentes associativos concelhios mais desprevenidos e incautos como sendo da mais fina e transparente porcelana ética.
Um gesto que apesar de tudo se agradece, tendo em conta que se constitui como um decisivo contributo para que seja posta a nu a opacidade da política de beija-mão, e de verdadeiro rabo escondido com gato de fora.
*Versão integral do artigo publicado na pág. 3 da edição de hoje do ‘Jornal da Bairrada’