Há uma espécie de decreto-lei informal que, ainda no tempo de Sócrates, na sequência das imposições da troika, passou a entrar em vigor.
Esse decreto, editado e publicado por opinadores do regime, "especialistas" em economia, grandes empresários, gestores ao serviço destes, banqueiros, políticos do "centrão", iludidos do neoliberalismo, académicos conformados e burocratas dependentes da eurocracia, resume-se numa frase: "Protestar contra as medidas de austeridade é antipatriótico".
A teoria desenvolve-se no pressuposto de que não haveria outro caminho para "salvar Portugal" (sic) que não seja este que actualmente trilhamos. Pelo que, para bem da Pátria, qualquer manifestação, greve, marcha, abaixo-assinado ou simples comentário contra o que se está a passar é, na sua essência, um acto de traição.
Isto faz-me lembrar o meu tempo do ensino primário, quando a minha cabeça era encharcada pelo chavão "a Pátria não se discute", para justificar a guerra no Ultramar. Essa guerra, lia-se em todos os jornais, via-se na televisão e ensinava-se na escola, não só era inevitável como necessária. Além do mais, dizia-se, do ponto de vista económico, que Portugal não sobreviveria à perda das colónias. Quem protestava era declarado traidor à Pátria e ia preso.
Pois quando cheguei ao liceu, anos depois do 25 de Abril, já não havia Ultramar, a Pátria até estava de melhor saúde, prosperava, e os traidores da véspera eram os heróis da nova época. Como vêem, as certezas absolutas e indiscutíveis são todas muito relativas...
A acusação de "traição à Pátria" de hoje não está muito distante desses meus tempos de escola, no aspecto de dogmatizar positivamente e como necessária a capitulação da Pátria (ó ironia!) na actual guerra económica e financeira e ao tentar transformar em marginal quem discorda desse dogma. Agora ninguém é preso, mas ao tornar refrão político a frase "traidores à Pátria" para caluniar os que protestam está a dar-se o primeiro passo para que um dia seja possível meter na cadeia quem dá problemas ao regime... Olhem, se é assim, prendam-me já que eu também sou um traidor à Pátria.
Assinalo, no entanto, uma declaração de Pedro Passos Coelho, ao dirigir-se no Parlamento a Jerónimo de Sousa. Cito de memória, sem rigor, mas o sentido que apreendi da frase era este: "Poderei nunca estar de acordo com as propostas do PCP, mas nunca considerarei o seu partido como estando a agir contra os interesses da Pátria." Ainda bem que o primeiro-ministro percebeu que precisava de dizer isto. Pode ser que acalme estas hostes da intolerância.
Pedro Tadeu, aqui