Como se sabe, um dos problemas que tem atormentado a qualidade da Administração Pública e o funcionamento do próprio regime democrático, é a partidarização do aparelho de Estado e a utilização deste para satisfazer clientelas partidárias.
Agora que se inicia um novo ciclo político, que o primeiro-ministro já sinalizou ter este problema em mente, e que ao tema foi dado destaque no discurso do Presidente da República aquando da tomada de posse do novo Governo, talvez seja oportuno trazer a público uma sugestão para lidar com o problema.
Esta sugestão assenta em três pontos. O primeiro é a reversão da orientação legal em vigor e segundo a qual os dirigentes da Administração Pública cessam funções com o Governo que os nomeou. Em seu lugar, deve ser estabelecido que os mandatos destes dirigentes devem ser mantidos até ao fim, só podendo ser interrompidos a pedido dos próprios ou em caso de provada irregularidade por si cometida.
O segundo ponto consiste na identificação de um conjunto de cargos dirigentes - Directores-Gerais, Conselhos Directivos de Institutos Públicos e Administradores de Empresas Públicas - considerados fundamentais na gestão pública e na sujeição das nomeações para esses cargos a um processo de escrutínio público conduzido por um painel de avaliadores, de cuja aprovação dependerá a confirmação da nomeação. Não precisarão de ser todos os dirigentes, pelo menos numa primeira fase e até o processo estar rodado, para que se não paralise a Administração por dificuldade de dar vasão a todas as nomeações que, num primeiro momento, inevitavelmente terão que ocorrer, até por força da caducidade automática dos mandatos.
Um tal painel deverá ser composto por cinco ou sete personalidades de reconhecido mérito, designados, em parte por 2/3 do Parlamento, e em parte pelo Presidente da República, com mandatos de cinco anos, escadeados (como acontece com o Conselho Executivo do BCE), por forma a prevenir abruptas mudanças de composição ou de critérios de avaliação. E o seu juízo terá que ser expresso num determinado prazo máximo - um a três meses - sob pena de a nomeação sujeita a escrutínio ficar tacitamente validada.
O terceiro ponto será o de pagar aos dirigentes - pelo menos aos mais relevantes para o bom funcionamento do Estado - de acordo com as exigências de qualidade da função e as responsabilidades atribuídas. Não terão que ser remunerações totalmente "alinhadas com o mercado", poderão ter um desconto razoável face a esse "alinhamento" e poderão tomar como referência, por exemplo, as praticadas nas principais empresas públicas.
Esta matéria tem sido, de há muito, dominada pela demagogia e pela ideologia igualitarista, tendo como consequência a desqualificação da máquina pública e, sob a aparência de falsas poupanças, tem encarecido o Estado. Basta lembrar toda a polémica que existiu à volta da remuneração do dr. Paulo Macedo, quando foi Director-Geral dos Impostos, apesar de ele ter sido, provavelmente e tendo em conta os resultados obtidos, o dirigente mais barato da Administração.
É certo que agora não será tempo disto, mas convém pensar a sério no assunto para quando for possível.
Vitor Bento, aqui