quinta-feira, 5 de maio de 2011

O VENDEDOR

Trinta e quatro páginas são páginas suficientes para desenhar a maior reforma de sempre na economia portuguesa.

Não são necessárias as centenas de folhas dos nossos habituais orçamentos do Estado que tudo dizem, muito prometem e, no fim, pouco executam. Isso já lá vai: agora, em vez de páginas em mau português, temos parágrafos em inglês enxuto, metas claras, obrigações específicas e um calendário que se pretende rigoroso e invulgarmente transparente.

Descontados alguns desejos molhados, apesar de bem intencionados (vender o BPN, a bom preço, até Julho); algumas correcções humilhantes (a política energética, que tantos powerpoints valeu, foi arrasada com um sopro de duas linhas); e um conflito assegurado com os sindicatos por causa das mexidas nas leis do trabalho e na organização do Estado, a verdade é que o Portugal de hoje não será de todo igual ao de amanhã. Sócrates teve um avanço de 12 horas para vender o programa de austeridade ao País. Como é sabido, ninguém vende como Sócrates. O País dormiu bem, quase em sossego, acreditou que afinal ainda passava entre os pingos da chuva.

o entanto, horas depois percebeu que não será bem assim. Cortes nos benefícios e nas deduções fiscais na habitação, na saúde e na educação. Pensões cortadas. Energia, saúde e transportes mais caros. IVA mais alto em alguns produtos do cabaz essencial. Contratos de trabalho com vínculos mais frágeis e, acima de tudo, vida muito mais desconfortável para quem estiver no desemprego: menos dinheiro ao fim do mês, menos tempo de subsídio e mais pressão para aceitar ofertas de trabalho.

Talvez assim se consiga baixar os custos do trabalho e tornar a economia mais competitiva - como não há desvalorização cambial, faz-se uma desvalorização salarial. Em 2011, o PIB recua 2%, e no ano seguinte a mesma dose. É obra, é duro. Dois anos de chumbo grosso, e, mesmo assim, só apetece aplaudir. Que tristeza.

André Macedo, aqui