terça-feira, 3 de maio de 2011

ELUCUBRAÇÃO TÉCNICO-TEÓRICA SOBRE O ZUMBIDO DE MOSCA À VOLTA DOS OUVIDOS

De forma inesperada, o sono da pacatez política concelhia foi abruptamente interrompido com a publicação deste artigo de opinião.

Face ao incómodo manifestado na última reunião da câmara municipal,  percebe-se que o teor deste artigo 'mexeu' com o presidente da câmara, que aí referiu ter a instituição que representa sido ofendida, alegadamente porque o teor do referido artigo afecta a imagem da câmara municipal.

O que importa saber é se, com alguma legitimidade, pode extrair-se do teor do referido artigo de opinião algum resquício de ofensa à credibilidade, ao prestígio ou à confiança do município o que, a verificar-se, consubstanciaria a prática do crime de ofensa a pessoa colectiva pública, pevisto e punido pelo artigo 187º do Código Penal, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 59/2007 de 4 SET.

Muito sinceramente, parece-me que não.

Efectivamente, no que respeita ao referido ilícito, são três os elementos constitutivos deste tipo objectivo de ilícito:
a) a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
b) susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço;
c) não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar tais factos de verdadeiros.

Ora, quanto ao primeiro elemento objectivo do tipo de crime de ofensa a pessoa colectiva, organismos ou serviço a afirmação ou propalação tem de envolver factos, cabendo à acusação alegar e provar a inveracidade de tais factos. O que daqui resulta é que inexiste ilícito caso tal alegação e prova não ocorram, não cabendo ao próprio subscritor do artigo de opinião a demonstração da veracidade dos factos.

O segundo elemento que a lei exige é que se esteja perante factos idóneos – que tenham capacidade para – ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança do município. Tal credibilidade é aferida quando, pela actuação dos seus órgãos ou membros, o município se mostra cumpridor das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra sério e imparcial; tem prestígio quando, pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, se impõe no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; e é digno de confiança quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar.

Em terceiro lugar, é necessário que com a publicitação dos factos, mesmo que sejam inverídicos, o subscritor do artigo de opinião não tivesse razões sérias para aceitar os aludidos factos como verdadeiros ou seja, cabe ao município alegar e provar a inexistência de boa fé por parte do subscritor do artigo de opinião.

Por todas estas razões, não parece que o presidente da câmara pudesse ter no teor do referido artigo de opinião a cobertura da lei para, com sucesso, conseguir fazer vingar uma hipotética participação criminal por qualquer ofensa à credibilidade, ao prestígio ou à confiança do município.

O que, a acontecer, outra interpretação não admitiria que não a de pretender amedrondar os elementos da oposição, condicionando o livre exercício do seu direito de oposição ao poder instituído.

Para que dúvidas não subsistam, importa referir que é a própria lei que define o conteúdo do conceito de 'oposição' considerando como tal «a actividade de acompanhamento, fiscalização e crítica das orientações políticas (...) dos orgãos executivos das autarquias de natureza representativa».
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Como é evidente, este texto é uma mero parecer técnico-teórico sobre uma eventualidade manifestamente improvável, uma vez que o teor do artigo a que se vem referindo não ultrapassa o limite da sensatez ou da razoabilidade, não passando de um mero, embora incomodativo, zumbido de mosca à volta dos ouvidos do poder.