sexta-feira, 6 de maio de 2011

DEMOCRACIA NÃO SE VINGA, FAZ JUSTIÇA

1. Bin Laden foi abatido e o seu corpo atirado ao mar.

Meio mundo rejubilou, como se a Al-Qaeda tivesse sido decapitada ou o terrorismo se extinguisse com ele, tornando o Planeta, por artes mágicas, mais seguro. Reacção a quente, claro. Porque não é justiça a que se aplica em função da dimensão do crime.

O desfecho desta perseguição adivinhava-se desde a primeira hora. Tivesse Bin Laden um só assassínio no currículo e talvez se sentasse no banco dos réus. Autor confesso de um atentado que vitimou três mil pessoas, não mereceu da Administração norte-americana sequer um simulacro de julgamento.

Homicídios perpetrados pelo Estado podem disfarçar-se de legalidade. Porém, apoucam a democracia, cuja legitimidade não advém da ponta da baioneta, mas de regras, supostamente de aplicação universal. A liquidação de Bin Laden não passou de um acto de vingança, que não devolve a vida às vítimas do 11 de Setembro. Não colhe, de todo, o argumento de que a execução sumária constitui um sinal para candidatos a terroristas, porque a pena resultante de um julgamento justo surtiria exactamente o mesmo efeito. E permitiria provar a superioridade da democracia, que se testa, precisamente, em situações limite.

2. Os ex-directores do Teatro Nacional D. Maria II e a dramaturga que adaptou para teatro a obra "A Filha Rebelde", da autoria de dois jornalistas, estão a responder em tribunal por "ofensa a pessoa falecida", o antigo director da PIDE, Silva Pais, que na peça é implicitamente associado ao assassínio do general Humberto Delgado. A nenhum humorista ocorreu glosar a história do processo judicial, em que dois sobrinhos de Silva Pais são queixosos, talvez porque seja, afinal, mais séria do que parece.

A polícia política de Sal azar nunca se preocupou com a memória de pessoas falecidas, concentrada que estava no futuro de pessoas vivas - nem todas sobreviveram para contar. Que se saiba, nos tribunais plenários, nem esse nem outros direitos tinham guarida.

Aí reside a superioridade da democracia: concorde-se ou não com a alegação, os familiares de Silva Pais têm o direito de recorrer a tribunal. Assim a Justiça saiba honrar a sua missão.

Paulo Martins, aqui