terça-feira, 12 de abril de 2011

ERA UMA VEZ...

PEGADAS DE GAIVOTA
Era uma vez uma gaivota na praia. Sozinha. Não havia banhistas, porque ainda não era o tempo deles.

Nas praias desertas, antes do Verão, a areia muito lisa até parece passada a ferro. Sem uma única ruga. Sem um único sinal de vida.

Nisto pensava a gaivota, enquanto se entretinha, saltinho sobre saltinho, a imprimir na areia as suas pegadas de gaivota nova.

Três dedos espetados para a frente e zás! Eu estive aqui. E aqui. E aqui.

Atrás da gaivota, o rasto dos seus passos.

Mais logo, as ondas do mar, na maré cheia, apagariam a passagem da gaivota por aquela praia sem ninguém. Mas, até lá, muita coisa iria suceder.

Chegada à beira de um rochedo, a gaivota virou-se para trás e contemplou o caminho que fizera pela praia toda. Suspirou.

Pois é. As gaivotas também suspiram. Suspiram de tristeza, quando estão sós.

Virou-se para a frente, para continuar o seu passeio descuidado, quando sentiu um baque de susto. Não que tivesse visto um bicho, mas viu, na areia molhada, à sua frente, a marca de outras pegadas iguais às dela. Os mesmos três dedos espetados para a frente. Tal e qual.

Esvoaçou. Mediu de cima o terreno em volta e foi então que deu com outra gaivota, aninhada atrás de uma rocha. Era uma gaivota fêmea. E ela, a gaivota da nossa história, uma gaivota macho.

Já não estava sozinha. Já não estavam sozinhas. Entraram à fala uma com a outra. Falaram do mar, das ondas, dos peixes e da friagem da noite, quando, sem o calor de outras penas, se abrigavam numa fenda da falésia.

O resto não tem conto. Adivinha-se. Estavam feitas uma para a outra, como se costuma dizer.

Desconfio que, antes de chegar o Verão, outras patinhas novas, mais pequenas, vão povoar aquelas areias. Cada vez há mais gaivotas.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui