Com excepção de certos privilegiados, à rasca estamos todos.
Estão jovens sem emprego, com estudos ou sem estudos. Estão jovens com pais desempregados. Estão pais que até então, embora com ordenados baixos, faziam das tripas coração para garantir aos filhos algum futuro.
Mas, à rasca estão também aqueles que, na reforma, de repente, perderam pensões ou viram-nas baixar, e sem qualquer possibilidade de voltar ao mercado de trabalho.
À rasca, estão os funcionários públicos, cujos cortes nos ordenados provocaram uma desestruturação súbita na forma tão apertada com que equilibravam o orçamento familiar. À rasca, estão aqueles que tiveram de entregar as suas casas ao banco, pois iludidos no crédito fácil ou acometidos pelo tal desemprego não tiveram outra saída. À rasca, estão aqueles idosos que, desamparados e solitários, não têm quem lhes leve o comer à boca. À rasca, estão aqueles que, desesperados pela vida indesejável, não encontram ânimo e força para reagir.
De facto, este pode ser o lado negro de um país, cujas gerações viventes visionaram, com alguma esperança, um Portugal a caminho de um futuro mais prometedor aos benefícios da vida. A libertação da ditadura prometeu-lhes. Já com muitas dessas promessas em défice, a entrada para a Europa, a Europa livre, sem barreiras, a Europa do euro, foi outra alavanca para afastar a prostração causada pelos cravos a murchar.
Apesar de tudo, o país modificou-se, modernizou-se, europeizou-se, globalizou-se. Porventura, prometeu-nos mais do que poderia dar-nos. Sobretudo, nas condições fáceis da dificuldade da parte que nos competia realizar. Verdade se diga que, quase ninguém nos acordou a tempo para fazer ver as reservas que nos faltavam, em trabalho organizado, em divisão de bens e benefícios mais consentânea com a tal ilusória igualdade de que nos falavam, em poder gozar por custa própria e não por desmesurados empréstimos.
Mas, chegados a este ponto em que o futuro se apresenta negro, ninguém se admire ou leve a mal que sejam aqueles que ainda têm uma vida toda para viver que venham para a rua e gritem contra as falsas promessas ou contra quem com elas acenou. O momento é de protesto. E a atitude séria será a de não entendê-lo como brincadeira. Ouvi-lo. Geri-lo. Fazendo ver o que se não ganhou e porque se perdeu. Encontrar plataformas de entendimento. Quando isto começa a aquecer, tenho receio é daqueles que andam por aí, há tanto tempo, a espalhar gasolina, com as armas da escrita e da fala.
Paquete de Oliveira, aqui