quinta-feira, 17 de março de 2011

POLÍTICA EM ESTADO PURO

À beira do abismo, ninguém está disposto a dar mais um passo. Se substituirmos a palavra abismo pela expressão crise política, é neste pé que estamos.

A realidade económica e social do país é excluída dos parâmetros de análise, porque os motores já aquecem, prevenindo o tiro de partida para novas eleições. É a política em estado puro a ocupar todo o espaço; o tacticismo partidário a irromper, secando tudo à sua volta.

Como perspectiva de futuro, é curta. A não ser para os partidos que, por acção ou omissão, criaram condições para se atingir este ponto.

Intuitivo, José Sócrates percebeu que, de PEC em PEC - sempre o último antes do próximo - mais se degrada a imagem do Governo. Voluntarista, optou pela ruptura, sem a assumir, convicto de que para o seu lado a situação só pode piorar. Começou por agir como se detivesse maioria absoluta. Sem dar cavaco a ninguém - muito menos a Cavaco, que a vingança de certos discursos serve-se fria - apresentou-se em Bruxelas com o plano que Bruxelas ajudou a parir. Bruxelas aplaudiu sem sequer simular um ar de surpresa.

Pacheco Pereira, que vislumbrou na manobra de Sócrates uma armadilha, deixou o avisado conselho: "Convinha pensar duas vezes antes de entrar na ratoeira". Sucede que, por essa altura, já o PSD estava em roda livre. Tão livre que foi estreitando a sua margem de recuo. Tão livre que José Sócrates se permitiu um gesto "magnânimo". Afinal, o que levara a Bruxelas - um compromisso firme de Portugal - é negociável (difícil de entender: se é negociável, por que não o foi antes? Se era um compromisso para valer, por que se tornou tão flexível?). Seja como for, Bruxelas, mais uma vez, dispôs-se a dar uma ajuda: as medidas podem ser estas ou outras; tanto faz. Desde que saibam pronunciar o verbo cortar, são sempre bem vindas.

Assim, insistindo que não deseja abrir uma crise política, Sócrates está mortinho por encontrar alguém a quem acusar de a precipitar. Por isso deixou tudo bem claro, na última entrevista televisiva. Quer obrigar o PSD a uma de duas atitudes, ambas arriscadas: ou recua (lá vai Eduardo Catroga tirar outra fotografia de telemóvel) ou, em coerência com o "fim da linha" que Passos Coelho proclamou, vai a jogo - que é como quem diz às urnas. Talvez em poucos dias se fique a saber como saimos disto, já que o presidente recebe os dois protagonistas. E se Cavaco Silva também quiser ser, ele próprio, protagonista?~

Paulo Martins, aqui