quinta-feira, 10 de março de 2011

ADEUS COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL. CAVACO ABRE HOSTILIDADES A SÓCRATES

Presidente da República defende "consenso alargado" a médio prazo e recorda a Sócrates que "há limites" nos sacrifícios pedidos aos portugueses.

No dia anterior ao da discussão da moção de censura ao governo, a verdadeira censura foi feita por Cavaco Silva. Foi um Presidente da República demolidor que tomou ontem posse para um segundo mandato, guiado pela máxima da "magistratura activa".

Durante mais de 40 minutos, Cavaco traçou o cenário negro das finanças do país e avisou que a "estabilidade" política, pedida por José Sócrates não é um fim em si mesma, mas "uma condição que deve ser aproveitada para a resolução efectiva dos problemas do país". Problemas que, lamentou o primeiro-ministro depois de ouvir Cavaco, "muitas vezes" o governo tem de resolver "sozinho".

Apelando sempre à "transparência e à verdade", Cavaco recordou que Portugal vive uma "situação de emergência económica e financeira que é já também social" e que o país "está submetido a uma tenaz orçamental e financeira". O quadro vai afectar a qualidade de vida dos portugueses, a não ser "que os responsáveis políticos económicos e financeiros correspondam, com firmeza e sem ambiguidades, à obrigação de libertar o país desta situação". Sem nunca referir a possibilidade de um futuro governo de coligação - repetiu diversas vezes a referência à necessidade de um "esforço colectivo" -, Cavaco aponta como "desejável que o caminho a seguir fosse consubstanciado num programa estratégico de médio prazo, objecto de um alargado consenso político e social".

Após o discurso da tomada de posse, Sócrates disse estar "muito de acordo com aquilo que o Presidente referiu como sendo a necessidade de se unirem os esforços de todos para responder à actual situação". Porém, lamentou, "muitas vezes o governo faz isso sozinho, tomando medidas difíceis que é necessário tomar para responder a esta situação". A poucos dias de uma manifestação marcada pelos jovens da geração à rasca, Cavaco pediu um "sobressalto cívico", exortando os mais novos "a não se resignarem". "Façam ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo!" - o que mereceu apupos à esquerda.

Um país negro.
Nas vésperas do Conselho Europeu, que será decisivo para Portugal, e depois de o governo ter acenado com a possibilidade de mais medidas de austeridade, Cavaco lembrou a Sócrates que "há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos".

Puxando dos galões de economista, alertou para as elevadas taxas de juro da dívida portuguesa, dizendo que "um défice externo e permanente é por definição insustentável". Sem nunca referir a necessidade de o país pedir ajuda externa, o Presidente empossado não afastou o fantasma do FMI e referiu que "existe um risco sério de o pagamento de juros ao exterior travar a indispensável redução do desequilíbrio externo". Não esquecendo a avaliação dos mercados externos, Cavaco lembrou ainda que "a sustentabilidade das finanças públicas é uma questão iniludível para a confiança dos investidores internacionais". A confiança, por seu lado, está dependente de "um diagnóstico correcto e um discurso de verdade sobre a natureza e a dimensão dos problemas económicos e sociais que Portugal enfrenta".

As palavras do Presidente traçam um cenário negro num país em que a última década foi "perdida em termos de ganhos de nível de vida". Em sucessivos recados ao executivo, Cavaco fez uma análise dos números que mostram a realidade portuguesa e recordou que a "situação ter-se-á agravado nos últimos dois anos". Por isso "a margem de manobra" do Estado português é agora "severamente limitada".

A provar a teoria estão os níveis da dívida pública, "a que acrescem os encargos futuros com as parcerias público-privadas", como o TGV. Sem referir as grandes obras, Cavaco apontou o dedo às políticas públicas, que devem pensar no emprego. "Não podemos privilegiar grandes investimentos que não temos condições de financiar", defendeu. "Não se trata de abandonar os nossos sonhos e ambições. Trata- -se de sermos realistas." Isto porque "é fundamental que todas as decisões do Estado sejam atempadamente avaliadas", porque "não podemos correr o risco de prosseguir políticas públicas baseadas no instinto ou em mero voluntarismo". A opinião do Presidente surge numa altura em que existe um grupo de trabalho para avaliar as PPP na sequência do acordo entre PS e PSD para o Orçamento do Estado de 2011.

Crise à vista.
Enquanto o primeiro-ministro garantiu que "o Presidente da República pode contar com a cooperação institucional" do governo, coube ao líder parlamentar do PS dizer aquilo que Sócrates não pôde. "Não foi um discurso próprio de um Presidente de todos os portugueses, foi mais um discurso de facção, um discurso sectário", acusou. Francisco Assis não gostou e deixou um reparo: "Espero que rapidamente seja retomada uma linha de actuação que, no essencial, marcou o primeiro mandato, em que houve preocupação de agir com isenção e independência."

Já o líder do PSD, Passos Coelho, viu no discurso do Presidente as palavras de alguém que "não vira as costas aos problemas", num mandato que "será porventura o mais exigente dos presidentes até hoje".

Liliana Valente e Sónia Cerdeira, aqui