Campanha eleitoral que se preze não pode dispensar pedras para atirar ao adversário e, muitas vezes, telhados de vidro.
É assim, faz parte do jogo político, desde que as campanhas existem. Aqui e ali, o confronto resvala para o ataque pessoal ao opositor. Aqui e ali, discute-se o carácter.
E logo aparece quem se indigne, exigindo "elevação" no debate, que por ser de natureza política não deve misturar-se com apreciações de carácter. Pois eu discordo em absoluto desta separação de águas. Nem concebo como podem separar-se.
O carácter não pode ficar de fora, na apreciação do perfil de um político. Antes de fazer a minha opção eleitoral, há informações que quero recolher sobre os candidatos - nesta ou noutra eleição - e informações que, de todo, não me interessam.
Assim, a traço grosso, fica a "lista". Não quero saber nada - mesmo nada - sobre a orientação sexual ou os gostos literários de um candidato. E do campo da vida pessoal só me arrancará à indiferença a revelação de que prega uma moral -no sentido lato - e adopta outra. Quero, evidentemente, saber se os pontos de vista políticos que manifesta coincidem com a minha maneira de ver o mundo, se as medidas que propõe são exequíveis e se tem "unhas" para as pôr em prática. Ou seja: se é competente. Sendo que a competência por si só não chega; é apenas um instrumento, não um valor em si.
Mas quero saber mais: se o candidato é honesto e sério (nota: seriedade não é, forçosamente, cumprimento da lei). Não quero saber se roubou um chocolate ao irmão quando tinha 5 anos, nem se snifou coca na juventude, mas se posso, hoje, confiar-lhe a gestão de dinheiros públicos. E, já agora, a (minha) carteira por mais de cinco minutos. Claro que não me será indiferente a revelação de que bate na mulher (no homem, se for o caso).
Quero, portanto, conhecer o carácter de quem me convida a votar. Não me choca que seja envolvido no debate político. Pelo contrário: exijo que seja, para melhor conhecer a personagem e avaliar se merece o meu apoio. E como não me interessa a aparência - fulano de tal "parece simpático", fulano de tal "parece arrogante" - proponho desta já a inversão da velha máxima: à mulher de César, não basta parecer séria, é preciso sê-lo".
Paulo Martins, aqui